por Tarcísio Feitosa e Carlos Rittl –
Religioso que substituiu a freira assassinada Dorothy Stang em Comissão Pastoral da Terra local foi preso sob acusações frágeis, oriundas de uma campanha difamatória de fazendeiros no Pará
Quando a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros em Anapu, no Pará, em 12 de fevereiro de 2005, latifundiários da região da Transamazônica soltaram fogos. A freira, que trabalhava por uma reforma agrária que respeitasse a floresta, era odiada por grileiros e madeireiros da região. Sua eliminação resgatava a normalidade —a lei do mais forte.
A alegria dos bandidos durou pouco: à morte de Dorothy e sua repercussão mundial seguiu-se uma imprevista e inédita intervenção do Estado brasileiro na Amazônia. A intensa presença do poder público foi um duro golpe para poderosos locais, cujos interesses eram sustentados a dinheiro público, motosserra e bala.
Por essa razão, esses grupos tiveram de adotar outra estratégia para silenciar o missionário que substitui Dorothy na Comissão Pastoral da Terra local, o padre José Amaro Lopes de Sousa: em vez de matá-lo, destruir sua reputação.
O padre, que defende os assentados da Transamazônica há mais de 25 anos, foi preso no início da Semana Santa sob acusações que vão de extorsão a associação criminosa, lavagem de dinheiro e assédio sexual.
O inquérito contra o padre Amaro teve a fragilidade de seus argumentos exposta pela Comissão Pastoral da Terra e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. Percebe-se, por exemplo, que todas as testemunhas arroladas pela acusação são pessoas com interesse nas terras públicas nas quais os missionários tentam consolidar os assentamentos conhecidos como Projetos de Desenvolvimento Sustentável.
A notícia da prisão do padre Amaro foi igualmente recebida com “rojões” pelo dito “setor produtivo” paraense. Estes vieram na forma de uma nota da Federação da Agropecuária do Pará (Faepa), vinculada à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Assinada pelo presidente da entidade, Carlos Fernandes Xavier, a nota chama o sacerdote de “subversivo” e ressuscita as acusações infundadas contra a irmã Dorothy.
A reação da Faepa acaba denunciando os interessados no linchamento moral do padre. Os motivos não surpreendem: é ano de eleição, e os grileiros flexionam seus músculos. No ano passado, ganharam de Michel Temer (MDB) o direito de obter títulos de terras griladas por uma fração do valor de mercado.
O município de Altamira, no coração da Transamazônica, foi campeão de aumento no desmatamento na Amazônia entre 2013 e 2017. A construção da usina de Belo Monte aqueceu o mercado de terras e avançou os desmatamentos para florestas públicas não destinadas. Amaro e a Igreja do Xingu estavam no caminho desse butim.
O que espanta é que a criminalização de movimentos sociais seja objeto da mais completa indiferença pelo governo federal. E incentivada por entidades que gostam de vender uma imagem moderna e limpinha do agronegócio brasileiro lá fora, mas que aqui dentro seguem a cartilha de Bida e Taradão, algozes de Dorothy —este último, encarcerado no mesmo presídio que o padre.
Enquanto os companheiros de Amaro lutam para que os fatos sejam esclarecidos e o sacerdote libertado com rapidez, sua prisão demonstra a urgência de o Estado se fazer, novamente, presente na região de Anapu. Mas desta vez para ficar.