Por Reinaldo Canto, de Juazeiro do Norte, especial para a Envolverde*

Se antes, num passado não tão distante o Semiárido brasileiro, que engloba os biomas Caatinga e Cerrado, presente nos estados nordestinos e em parte de Minas Gerais, era visto por muitos como um problema para a sobrevivência de populações humanas e um desafio intransponível para a agricultura, o que temos hoje, é uma outra realidade. Bons projetos acompanhados do essencial abastecimento de água garantido pelas cisternas, coloca o agricultor do semiárido num outro patamar, indo  muito além da subsistência para tornar-se um empreendedor.

Essa é uma das muitas conclusões que pudemos tirar do V Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, realizado pela ASA – Articulação Semiárido Brasileiro, na semana passada em Juazeiro do Norte (cidade cearense localizada à mais de 490 Kms da capital Fortaleza). Cerca de 250 participantes de 10 estados representando comunidades de todo o Semiárido trocaram experiências, relataram suas conquistas e desafios, mas principalmente sua enorme e inquebrantável disposição para lutar e trabalhar por suas terras e por seu modo de vida tradicional.

Ali a defesa de uma agricultura familiar baseada no sistema agroflorestal e no uso de espécies nativas e sementes crioulas, as de origem local mais adaptadas às condições do território, foram unânimes.

O Semiárido ocupa uma área de 1 milhão de km² e nele vivem cerca de 25 milhões de pessoas com experiências e vivências riquíssimas que por gerações desenvolveram conhecimentos imprescindíveis para o desenvolvimento local e a qualidade de vida das famílias de agricultores. E, nada melhor do que compartilhar essa história para que outros possam também usufruir dessa sabedoria. Por essa razão, o tema do encontro foi “Diálogo entre a sabedoria popular e a ciência para a construção dos conhecimentos para a convivência com o Semiárido“,  e que não deixa de ser uma provocação para muitos que desdenham da sabedoria do povo e colocam à ciência formal e acadêmica em um patamar superior.

As Mulheres no Comando

Outro ponto fundamental presente ao encontro é o do protagonismo feminino, “construímos nosso empoderamento por meio das nossas experiências com as espécies nativas , do nosso conhecimento das plantas medicinais, dos chás do nosso entorno”, afirma Maria do Céu, agricultora de Soledade, na Paraíba. Para ela, a visão e sensibilidade feminina somadas a muita luta tem contribuído para mudar a realidade das mulheres do Semiárido, “construímos e fizemos todas as lutas e também construímos muita, muita solidariedade”, completa a agricultora paraibana. Mesmo com muitos avanços na construção dessa autonomia feminina para a geração de renda familiar essa batalha ainda está longe de ser vencida, como relataram várias agricultoras, que convivem diariamente com os efeitos nefastos do machismo, infelizmente, que permanece enraizado em muitas regiões do país.

O outro protagonismo é o das cisternas

De toda forma muitas dessas conquistas só foram possíveis graças às sempre presentes cisternas, capazes de armazenar água para o consumo das famílias (cisterna de 1ª água) e a produção de alimentos e criação de animais (cisterna de 2ª água).

Num passado não tão distante antes do projeto 1 milhão de cisternas iniciado no Governo Lula, a seca condenava o sertanejo a abandonar frequentemente às suas terras para sobreviver migrando para outras regiões ou participando das famigeradas frentes de trabalho. Hoje as frequentes estiagens são contornadas graças ao abastecimento de água garantido pelas cisternas.

Água e Empreendedorismo

Só dessa maneira é possível surgir empreendedores como o casal Francisco Batista dos Santos Filho e Antônia Fabiana dos Santos da comunidade Zambelê, na cidade de Nova Olinda. Nos 5,5 hectares de sua propriedade além de plantar alimentos como feijão, macaxeira e milho, eles produzem farinha e goma da mandioca e também buscaram a diversificação com a produção de mel em suas 34 colmeias da abelha melípona (espécie nativa e sem ferrão) e também algumas da abelha italiana (essa já uma espécie exótica com ferrão). Francisco fez diversos cursos de apicultura para se capacitar corretamente para a produção do mel e hoje é um dos mais ativos participantes da Associação dos Apicultores de Nova Olinda. “Estou sempre procurando aprender mais para melhorar a produção do mel”, explica Francisco. No total ele emprega oito pessoas na propriedade.

Esse é apenas um exemplo dos potenciais do Semiárido brasileiro e de seu povo criativo e empreendedor. Se com esse pouco eles já conseguem fazer muito, imaginem o que não será possível com um apoio permanente?

A valorização da agricultura familiar e de uma produção sustentável que respeite o meio ambiente é um dos melhores e mais consistentes caminhos para o desenvolvimento da região e para a qualidade de vida desses corajosos brasileiros e brasileiras .

*O jornalista viajou a convite da ASA

(#Envolverde)