Ambiente

Ao menos 13 milhões de árvores foram derrubadas ilegalmente no Xingu em dois meses

por Isabel Harari, para o ISA – 

Entre março e abril, cerca de 11 mil hectares foram desmatados sem autorização na porção mato-grossense da bacia do Xingu. Agropecuária, morosidade na regularização ambiental e sensação de impunidade são as principais causas

Quem analisa imagens de satélite do Mato Grosso enxerga grandes manchas geométricas de cor marrom que se multiplicam mês a mês. Apenas entre março e abril 13.865 hectares de novas manchas, que correspondem ao desmatamento, surgiram na área da bacia do Xingu que incide sobre o estado. O que não se pode ver via satélite é que 78% desse total, quase 11 mil hectares, foram florestas derrubadas ilegalmente.

O equivalente a 13 milhões de árvores foram desmatadas sem autorização na porção mato grossense da bacia, segundo monitoramento feito pela Rede Xingu +, o Sirad X. [Acesse o boletim nº12]

“O alto percentual de desmatamento ilícito expressa a ineficácia dos instrumentos existentes de combate ao crime ambiental. Esse quadro pode piorar com a chegada da estação da seca, quando os números de desmatamento tendem a crescer”, alerta Ricardo Abad, especialista em sensoriamento remoto do ISA.

Em alguns municípios do Mato Grosso, como Canarana, Cláudia, Gaúcha do Norte, Peixoto de Azevedo e Querência, a taxa de desmatamento ilegal atingiu 100% no período analisado. Feliz Natal, ao leste da bacia, atingiu a marca de 68% de ilegalidade, mas foi o que mais desmatou em área: 1.572 hectares.

Quase 11 mil hectares foram desmatados ilegalmente no Mato Grosso. Em alguns municípios taxa atingiu 100%

“A percepção do risco que é muito baixa”, explica Ana Valdiones, analista do Instituto Centro de Vida (ICV), quando questionada sobre as razões do desmatamento ilegal. De acordo com a organização, em 2018, 85% do desmatamento na parte amazônica do estado ocorreu sem autorização. A morosidade no processo de regularização ambiental e a falta de políticas públicas estaduais, segundo Valdiones, também explicam as altas taxas. “No geral a ilegalidade continua presente. Sempre foi e continua presente”, afirmou.

A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA-MT) disponibiliza dados ainda mais assustadores. Entre 2015 e 2016, 98% das áreas desmatadas no estado não tinham autorização, já entre 2016 e 2017 a taxa atingiu 94%. A assessoria da SEMA-MT não respondeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.

Mais transparência e fiscalização

O Ibama, responsável pelas ações de combate ao desmatamento, reduziu o número de autuações em 35% se comparado com o período de janeiro a maio do ano passado.

Em março houve uma expansão de 461% no desmatamento detectado em Unidades de Conservação na bacia do Xingu em relação ao mês anterior. Só na Floresta Nacional (Flona) de Altamira, de jurisdição federal, houve um aumento de 550% em abril, com 242 hectares desmatados associados a garimpo ilegal. “É preocupante que, em um momento em que o desmatamento ilegal avança, a atuação do instituto fiscalizador seja reduzida. A fiscalização e responsabilização são etapas essenciais no combate às atividades ilegais”, comenta Abad.

Para Valdiones, a fiscalização deve ser associada a mais transparência nos dados sobre desmatamento ilegal e iniciativas de adequação ambiental no Mato Grosso, região de atuação do ICV. “A transparência, aliada ao uso e produção de informações a partir desses dados públicos, deixa claro quem é quem. Fica claro quem tem passivo [ambiental]”, aponta.

Entre março e abril, 78% do desmatamento na poção mato-grossense da bacia do Xingu foi ilegal

Áreas protegidas em risco

Nos meses de março e abril houve um aumento nas taxas de desmatamento detectado na bacia do Xingu em relação aos dois primeiros meses do ano. Foram registrados 21.495 hectares desmatados, o que representa um aumento de 156% em relação ao período anterior. Desse total, 19% foi desmatado no interior de Áreas Protegidas: Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

A bacia do Xingu é uma área de 51 milhões de hectares que inclui 31 Terras Indígenas e 21 Unidades de Conservação abrangendo mais de 60 municípios no Pará e Mato Grosso. A região comporta uma sociobiodiversidade única, que corre sério risco com o avanço do desmatamento, grilagem, garimpo, roubo de madeira e a contaminação da paisagem por agrotóxicos.