Sociedade

A escola no mundo digital: dados e direitos de estudantes

Por Iago Vernek, Marina Meira e Priscila Gonsales

O isolamento físico causado pela pandemia de Covid-19 intensificou a presença das tecnologias e redes digitais no cotidiano escolar de crianças e adolescentes. No Brasil e no mundo, a principal solução encontrada para manter o calendário educacional foi migrar rapidamente a rotina de aulas presenciais para a internet, por meio do uso de plataformas digitais.

Além das mudanças no processo de aprendizagem, muitas escolas e secretarias de governo não estavam preparadas para implementar o ensino remoto. Nesse sentido, as desigualdades de acesso à internet e a formação insuficiente para o uso de tecnologias digitais deixaram evidentes as várias barreiras para que professores, estudantes e suas famílias pudessem se adaptar ao contexto.

Com a exposição de grandes fragilidades na educação, além do aumento das desigualdades sociais, a introdução de plataformas digitais e tecnologias de informação no ambiente escolar, durante a pandemia, traz uma série de preocupações. Você sabe, por exemplo, como proteger os dados estudantis de crianças e adolescentes no uso de tecnologias para o ensino?

Para auxiliar mães, pais e educadores neste cenário de reorientação das políticas públicas e dos currículos escolares para o ensino remoto, sobretudo por meio de plataformas digitais, Instituto Alana, Educadigital e Intervozes – organizações sociais que defendem a democratização da comunicação e da educação e a promoção dos direitos de crianças e adolescentes – elaboraram o guia interativo “A Escola no Ambiente Digital”.

A fim de debater essa e outras questões relacionadas à livre circulação de crianças e adolescentes em ambiente digital, será realizada no dia 08 de Dezembro, às 18 horas, uma formação gratuita on-line, com certificado e participação dos autores do guia. Para participar, basta se inscrever em bit.ly/emd-webinar.

O material está dividido em 10 módulos temáticos que abordam, além da privacidade e proteção dos dados estudantis: acesso à internet e neutralidade de rede, inteligência artificial e algoritmos, educação para a mídia e empoderamento digital, licenças abertas e software livre, entre outros assuntos ligados ao uso de tecnologias digitais nas escolas.

EaD, pandemia e desigualdades de acesso à internet

Segundo dados das pesquisas TIC Educação e TIC Domicílios 2019 (Cetic.br), apenas 14% das escolas públicas brasileiras tinham um “ambiente ou plataforma virtual de aprendizagem” antes da pandemia, sendo 64% na rede particular. Essa desigualdade de acesso à internet se dá em diversas regiões do país: enquanto no Sudeste 88% dos estudantes estão conectados à internet, no Nordeste são 73%. Em relação à área rural, os dados são alarmantes: somente 40% das escolas possuem um computador com acesso à rede.

Muitas vezes, sobretudo nas periferias, quem consegue ultrapassar a barreira do acesso tem que lidar ainda com velocidade lenta, aparelhos precários, limite de dados, entre outros problemas de conexão. Conforme as pesquisas da Cetic, 58% dos brasileiros se conectam exclusivamente pelo celular, sendo que na área rural, são 79%, e nas classes DE, 85%, o que confirma as disparidades socioeconômicas que caracterizam o território brasileiro. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 55% dos acessos móveis no país se dão a partir de planos pré-pagos, muitos com pacotes básicos de internet.

Mesmo com tantos problemas, uma pesquisa realizada por Instituto Alana, Educadigital e Intervozes, ainda no primeiro semestre de 2020, mostrou que todas as secretarias estaduais de educação adotaram plataformas digitais para manter o ensino remoto durante a pandemia, sendo que 85% da rede pública utiliza aplicativos privados. Somente o Google está presente em mais de 60% dos serviços de tecnologia adotados. No entanto, a maioria dos governos – quase 90% – optaram por complementar as atividades pedagógicas online por meio da TV, rádio ou material impresso.

Uma iniciativa de acadêmicos e organizações sociais, lançada sob o título “educação vigiada”, já fazia um alerta, antes da pandemia, sobre o avanço de corporações multinacionais de tecnologia sobre a educação pública brasileira. Segundo a pesquisa, 65% das universidades e secretarias estaduais estão expostas ao chamado “capitalismo de vigilância”, termo utilizado para designar modelos de negócio baseados na ampla extração de dados pessoais via inteligência artificial. Isso significa que mais da metade das instituições públicas que produzem conhecimento no país dependem de empresas privadas como Google e Microsoft para armazenar e processar seus dados.

A fim de debater os perigos relacionados à privacidade na rede, em um contexto de aumento da vigilância, e com um olhar especialmente voltado para o ensino básico, o guia “A escola no mundo digital” traz alguns motivos do por quê devemos nos preocupar com o uso correto de dados pessoais estudantis: 1. garantir que eles não se tornem um instrumento de exploração comercial; 2. proteger crianças e adolescentes de riscos à sua segurança e integridade física, psíquica e sexual; 3. impedir a consolidação da vigilância e o reforço da discriminação; 4. diminuir riscos e ameaças à privacidade; 5. proteger também a segurança, integridade e privacidade de professores e gestores escolares; 6. desenvolver práticas educativas em cidadania digital nas escolas.

O que Alana, Educadigital e Intervozes já estão fazendo?

Todo o conteúdo exposto no Guia é resultado de eventos, pesquisas, artigos e outras atividades jornalísticas e acadêmicas produzidas por entidades que lutam pela garantia do acesso universal à internet, da liberdade de expressão e da infância. No caso da articulação entre Instituto Alana, Educadigital e Intervozes, uma série de ações vinculadas aos direitos digitais conectam as organizações aos dilemas enfrentados por escolas e famílias. Trazemos aqui alguns exemplos de projetos para quem quiser saber mais.

O Educadigital, via Iniciativa Educação Aberta (parceria com Cátedra UNESCO de EaD), lançou um guia sobre soluções abertas para uso educacional, o Escolha Livre , com depoimento de educadores que já utilizam. Também disponibiliza um servidor totalmente dedicado, o Comunica!, para que educadores experimentes softwares livres como o Jitsi, o Mumble e o Etherpad. Por meio do referatório REliA é possível buscar recursos educacionais com licenças abertas por tipo de mídia e área do conhecimento. Para conectar educadores e gestores a desenvolvedores, associações e cooperativas que trabalham com software livre e código aberto, há Mapa de Serviços Abertos. Para compartilhar práticas sobre cidadania digital, a plataforma Pilares do Futuro, aberta e gratuita.

O Instituto Alana é uma organização da sociedade civil cuja missão é honrar a criança. Diante dos novos desafios impostos pela pandemia de Covid-19, a organização tem trabalhado para assegurar a proteção da vivência digital das múltiplas infâncias brasileiras. Nesse sentido, organizou o evento Ser Criança no Mundo Digital; assinou carta internacional com outras entidades para demandar das autoridades, governos e empresas a proteção das crianças de exploração comercial no contexto do aumento de uso de plataformas digitais, inclusive para razões educacionais;; enviou contribuições à ONU sobre o direito à privacidade e a exploração comercial de crianças no ambiente digital, inclusive em atividades educativas.

Em relação ao Intervozes, o coletivo desenvolve importantes pesquisas, campanhas, eventos, entre outras ações no campo da política e produção de comunicação. Em relação ao tema da proteção de dados, destacamos as ações judiciais contra a Telefônica/Vivo por exposição de dados pessoais dos usuários e contra o Metrô de São Paulo por vigiar o transporte com câmeras de reconhecimento facial; os pedidos à Anatel para proibição de bloqueio de franquia de internet durante a pandemia e sobre os serviços prestados no Amapá; os lançamentos da pesquisa “Fake news: como as plataformas combatem a desinformação”, do livro “Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news” e do manual “10 maneiras de combater a desinformação”; as campanhas “Seus Dados São Você” e “Internet Direito Seu”; e o podcast “Levante Sua Voz”.

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