Buenos Aires, Argentina, 15/8/2011 – A retórica dos governos sugeria que a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) levantaria sua voz diante da crise nos países industrializados, mas agora a estratégia é se proteger para resistir aos embates que chegam de fora da região. Ministros da Economia ou delegados dessa pasta e presidentes dos bancos centrais dos 12 países sul-americanos que formam o bloco se reuniram nos dias 11 e 12, em Buenos Aires, para definir um plano de ação que os fortaleça diante das turbulências externas.

Nesse encontro foi formado o Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças, uma área relegada em um bloco que começou como um fórum político e de defesa e progrediu em um plano de ação de apenas seis pontos diante da crise. Nas declarações anteriores à reunião, convocada pelos presidente sul-americanos, os ministros insistiram em afirmar que a região está preparada para resistir, que suas reservas monetárias são abundantes, suas contas fiscais estão em ordem e seus níveis de endividamento são manejáveis.

Alguns, inclusive, foram além do otimismo, como o ministro da Economia da Argentina, Amado Boudou, que previu que em um futuro próximo “a região poderá se converter no motor principal da economia internacional”. Contudo, nos fatos, os delegados governamentais foram práticos ao debaterem medidas que permitam a mobilidade de suas reservas internacionais, estimadas em um total para a região de mais de US$ 500 bilhões, fortaleçam o comércio e o financiamento regional.

Agora, com vistas à próxima cúpula do bloco, no Paraguai, os ministros, por meio de três grupos de trabalho, estudarão uma eventual expansão e maior dotação de recursos para o Fundo Latino-Americano de Reservas, hoje integrado apenas por Bolívia, Colômbia, Equador, Costa Rica, Peru, Uruguai e Venezuela. Esse fundo, que gera dívida e é solidário em caso de ataques especulativos a esses países, poderia aumentar fortemente seus recursos se a ele se incorporassem Argentina, Brasil e os demais países sul-americanos.

Também se comprometeram a acelerar as negociações para o lançamento do Banco do Sul e incrementar as contribuições à cada vez mais comprometida Corporação Andina de Fomento (CAF) para que atue como banco de desenvolvimento. Na ordem comercial, para contornar uma possível queda das exportações devido à crise dos países centrais, foi decidido, na reunião, aumentar o comércio intrarregional e também estudar alternativas para fazê-lo em moedas locais, a fim de não afetar o uso de reservas em divisas.

Do mesmo modo, os participantes do encontro debateram sobre medidas para limitar a entrada de capitais especulativos, que provocam a valorização das moedas latino-americanas e tiram competitividade das exportações. Definitivamente, a Unasul reagiu com reflexos rápidos para criar instrumentos defensivos que permitam armar-se para enfrentar os embates da crise global quando outros blocos internacionais, com o Grupo dos 20 (G-20), que reúne os países ricos e as grandes economias emergentes, tiveram um perfil extremamente baixo. O G-20, do qual participam Brasil e Argentina, foi criado em 2008 após a crise financeira dos Estados Unidos para regular mercados financeiros e evitar novas crises, mas seus êxitos foram limitados.

O analista político argentino Federico Merke, da Universidade de San Andrés, afirmou à IPS que, neste contexto, a Unasul se mostrou ágil e eficiente, em boa parte por iniciativa de sua nova secretária-geral, a ex-chanceler colombiana, Maria Emma Mejía, que tem uma liderança muito centrada na ação, definiu Merke. Para este analista, estas reuniões servem para que cada país saiba o que o outro está pensando e coordenar medidas, mas disse que dificilmente se pode chegar a políticas substantivas e a uma articulação profunda que comprometa os governos.

“A Unasul está bastante azeitada como espaço de diálogo e bem situada apesar da crise, mas é difícil que possa pensar-se como um bloco que dê resultados ou soluções ao que está ocorrendo em outras regiões”, acrescentou Merke. Para ele, estas reuniões “são boas para fazer autoajuda e dizer ‘sim, podemos’, saber que contam com recursos e se animarem mutuamente”, embora questione o que considera arrogância dos governos da região sugerirem que a América do Sul se tornou invulnerável.

A respeito da possibilidade de aumentar o comércio para neutralizar a possível queda de exportações, Merke recordou que o intercâmbio entre os países da região não chega a 20% do comércio na Unasul, e que efetivamente pode crescer. Porém, alertou que para isso não bastam declarações, sendo preciso avançar com incentivos à exportação para dentro e, neste sentido, o bloco evita medidas de livre comércio tradicionais como a redução de tarifas alfandegárias, afirmou.

Por sua vez, Tullo Vigevani, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), tampouco vê como possível, no momento, que a Unasul possa emergir como um bloco com propostas para a crise global. “Ainda tem dimensões institucionais débeis”, disse à IPS. No entanto, afirmou que, “diante do vazio de governabilidade internacional, parece que tem espaço para aumentar seu peso. Isto é aproveitado pelos governos que desconfiam da governança global”, acrescentou.

Quanto ao aumento do comércio intrarregional como um modo de a Unasul blindar-se, Vigevani considera “uma saída vantajosa”, embora com limites. “Ninguém acredita que os mercados internos possam resolver tudo”, afirmou. Para este especialista, o crescimento constante das economias do Brasil e da Argentina sugerem que se pode crescer a partir do consumo doméstico mediante o crédito a setores populares, mas, mesmo assim, será necessário o mercado global, os fluxos financeiros externos e também a tecnologia que chega do mundo rico em crise. Envolverde/IPS

* Colaboração de Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro).