Uma das notícias que mais me impactou no início do novo século saiu na revista britânica The Economist em abril de 2006, quando me chamou a atenção o título: “Esqueça China ou Índia. Hoje, o principal motor de crescimento econômico são as mulheres”.

Na ocasião, os dados que saíram na matéria eram tão objetivos quanto os fundamentos que sempre pautaram as cartilhas da economia dominada pela cultura patriarcal, que até 30 anos atrás subvalorizava a presença feminina na contabilidade das nações e que, até hoje, ocultam muito do que valem as atividades naturalmente femininas, como o cuidado da casa, dos filhos, dos pais, o trabalho voluntário nas comunidades e tantas outras contribuições que impactam a vida de toda a sociedade.

Na matéria, a revista listava uma série de vantagens competitivas das mulheres sobre os homens, desde há tempos evidenciadas por vários estudos, mencionando que elas tiravam as melhores notas nas escolas, e na maior parte dos países ricos, a presença era predominantemente feminina nas universidades.

Mas o que realmente surpreendeu foi a conclusão de que nas últimas duas décadas, as mulheres contribuíram mais para o crescimento do PIB mundial do que as novas tecnologias, além de serem mais importantes para a economia do planeta do que a China ou a Índia.

Para ter uma ideia da representatividade feminina nos cálculos do PIB, segundo o relatório da Cedaw (Committee on the Elimination of Discrimination against Women), cerca de 40% das mulheres economicamente ativas no Brasil são chefes de família.

Passados cinco anos desde que li essa matéria, o fenômeno está em pleno vapor com a expansão de novos setores que fazem a roda da fortuna girar em favor das mulheres, e que têm contribuído para a feminização da economia, como o setor de serviços, a expansão do empreendedorismo e a emergência da economia social, sem contar com toda a riqueza qualitativa envolvida no crescimento do terceiro setor.

No entanto, nem tudo são flores nesse jardim de constatações econômicas. As mulheres ainda ganham menos, continuam enfrentando as dificuldades de múltiplos papéis herdados, tanto na dimensão biológica (como a maternidade) quanto na dimensão sociocultural (a responsabilidade pelas tarefas domésticas e o cuidado da família), e ainda são absoluta minoria nos postos de poder de qualquer setor, principalmente na política. Enquanto no mundo a média de participação de mulheres no poder público é de 19%, o Brasil ainda apresenta o índice vergonhoso de 9%.

Essa ascensão assimétrica em diferentes setores se explica pela própria natureza das mulheres em sua ancestralidade marcada por valores bem diferentes dos valores masculinos, como o cuidado, a cooperação, a intuição, a visão holística da realidade e sua capacidade natural de preservar as futuras gerações. Tudo isso ainda não conta no PIB das nações, nem nas avaliações de desempenho da maior parte das empresas.

No entanto, com a falência de tudo aquilo que direcionou a velha economia, e o chamado da sobrevivência, que ainda se define por sustentabilidade, novos ventos sopram e fazem mudar a direção da economia desse novo século. Já se inserem nas agendas dos governos mundiais novos valores econômicos que são genuinamente femininos. Novos indicadores econômicos pouco a pouco fazem com que medidas como o PIB passem a não fazer mais sentido.

Qualidade de vida, bem-estar, felicidade, vitalidade comunitária, qualidade do tempo, preservação ambiental, valorização cultural são alguns dos novos indicadores que passam a tornar a economia mais feminina. Isto significa que muitas mudanças ainda estão por vir e surpreender o mundo. Novos estilos de liderança devem ser criados para que possam se adaptar aos estilos matrísticos de poder, que não é poder como fim, mas como meio de se alcançar objetivos que incluam em vez de excluir, que preservem em vez de devastar, que qualifiquem em vez de somente quantificar.

Uma das grandes revoluções que está por vir é o esvaziamento do estilo masculino de liderança, pautado na competição e no ganha-perde. Com o aumento de mulheres-líderes, que se deixam pautar pela sua própria natureza, novos modelos econômicos vão definir o rumo do Século 21, como a economia solidária, a economia criativa, a economia verde, o empreendedorismo econômico e social.

Nessas áreas, aliás, o Brasil tem tido destaque. Uma pesquisa realizada recentemente pelo instituto GEM (Global Entrepreneurship Monitor) indica que as mulheres brasileiras estão em quarto lugar no ranking mundial de empreendedorismo, à frente de emergentes como Chile e de potências como Estados Unidos e França.

E se começarmos a observar alguns sinais ainda sutis de mudança, o impensável começa a acontecer. Depois de décadas lutando pela igualdade de direitos com os homens, as mulheres estão virando donas de casa novamente. E são mulheres com formação universitária, empregos bem remunerados e com relações afetivas estáveis. Hoje, uma boa porção das que vivenciaram os mais altos postos da hierarquia das organizações estão levando os filhos ao colégio, ao parque ou ao inglês, administrando o orçamento familiar e preparando com prazer pratos que sempre sonhou preparar, mas que não tinham tempo, pois os livros de receita ficavam empoeirados nas suas prateleiras repletas de livros de administração e teorias organizacionais.

Claro que esse número de dissidentes é ainda reduzido, mas diversos estudos indicam que cresce o número de mulheres que priorizam a realização pessoal em vez da realização profissional como uma década atrás.

A unidade de inteligência econômica da revista The Economist (The Economist Intelligence Unit) criou o “Índice de Oportunidades Econômicas para as Mulheres” (The Women’s Economic Opportunity Index), que é um esforço para monitorar leis, políticas públicas, práticas e atitudes que afetem as mulheres trabalhadoras. São 26 indicadores selecionados e validados por um painel de especialistas que analisam cada aspecto da cadeia de valor social e econômica própria para as mulheres, desde a fertilidade até a aposentadoria.

Com as novas medidas, passa a ser mais fácil visualizar os conflitos e desafios enfrentados pelas mulheres. Logo, a reorganização dos orçamentos públicos voltados para as necessidades femininas, assim como a criação de leis específicas para as mulheres, tem mais impacto social e, inevitavelmente, econômico.

Para a economista e futurista Hazel Henderson, que criou o conceito da “economia do amor” (a economia do cuidado e da natureza), se essas atividades produtivas – que vão além da competitividade e valorizam mais a cooperação e o ganha-ganha – fossem contabilizadas, perfariam 50% da economia mundial e do trabalho produtivo.

Ainda é difícil de responder o que vai acontecer com todos esses novos fenômenos que apontam para a feminização da economia, e também não sabemos quais modelos de liderança passarão a vigorar.

Mas o que realmente importa nesse momento é que se criem marcos regulatórios e políticas públicas favoráveis à natureza da mulher, abrindo a ela a oportunidade de inserir-se na economia por uma nova ótica: mais humanizada, colaborativa e sustentável.

* Rosa Alegria é futurista, graduada em Letras pela Universidade de São Paulo e mestre em Estudos do Futuro pela Universidade de Houston, Clear Lake, copresidente do núcleo brasileiro do Projeto do Milênio, vice-presidente do NEF (Núcleo de Estudos do Futuro) da PUC-SP. É idealizadora da pesquisa mundial Millennia 2015 – Estudo Prospectivo sobre o Futuro da Mulher e um Novo Modelo de Desenvolvimento, sob a responsabilidade do Projeto do Milênio. Representa a América Latina em várias redes de pesquisa prospectiva do mundo.

** Conteúdo gentilmente cedido pelo Sesi (Serviço Social da Indústria).

*** Publicado origunalmente no site Mercado Ético.