Por Cimi –
A Terra Indígena Tanaru deve ser demarcada, em memória à luta dos povos isolados; permitir sua apropriação privada é validar o genocídio como estratégia de expropriação territorial.
A Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lamenta a morte do “índio Tanaru”, ou “índio do buraco”, último sobrevivente do massacre de seu povo, que foi encontrado morto no dia 24 de agosto pelos funcionários da Funai na Terra Indígena (TI) Tanaru, na região do rio Corumbiara, em Rondônia. Mais uma cultura milenar desaparece sem termos conhecimento, pelo genocídio produzido pelos fazendeiros e madeireiros no final do século passado.
Em 1986, diversos relatos sobre massacres de isolados em Rondônia, sem contato com a nossa sociedade, começaram a se espalhar. Os assassinatos teriam começado com a grilagem de terras públicas e com as concessões de terras a fazendeiros na época do regime militar. Soma-se a isso a construção da estrada do sul do estado, ainda durante os anos 1970. Assassinatos que continuaram nas décadas seguintes.
Preferia sua terra mãe, sua mãe natureza, escondia-se em buraco dentro de sua oca, como útero da mãe terra, local de abrigo confiável para seu descanso, espaço de segurança e amparo. O seu corpo foi encontrado pela equipe da Funai em seu barraco, deitado na rede, já sem vida. Ele vivia sozinho no seu território depois do massacre dos membros de seu povo que foram assassinados no final do século passado, e ilhado de outros povos indígenas igualmente aniquilados. Desde então era monitorado pela equipe da Funai.
A morte do “Índio do Buraco” e o desaparecimento de sua cultura milenar ocorreram sem que a sociedade brasileira tivesse sido capaz de lhe dar dignidade de vida. Nesses mais de 25 anos, viveu se esquivando das violências, pois preferia as árvores, os insetos, as aves e os animais, todos, ao “homem branco” ganancioso, covarde, genocida. A sua morte é mostra cabal que o genocídio programado dos povos indígenas continua em curso com toda a sua força e virulência.
O “Índio do Buraco”, a quem preferimos chamar de indígena Tanaru, morreu, assim como o seu povo foi dizimado há mais de 25 anos. Mas a sua resistência deve ser lembrada e perpetuada como símbolo da resistência de todos os povos que, na defesa da autonomia, adotam a estratégia do isolamento voluntário.
Por fim, o que fazer com o corpo do “Índio do Buraco”? Afirmamos que o único destino digno para o seu corpo é a sua terra, é permitir que seja enterrado e que finalmente descanse em paz na TI Tanaru.
E, o que fazer com a TI Tanaru, agora que o último indígena morreu?
Demarcar este território é agora um dever do Estado, em reconhecimento pela resistência do indígena que, em si, simboliza a resistência de todos os povos isolados. Como Terra Indígena é uma categoria de Área Protegida, o reconhecimento merecido à resistência desse indígena anônimo, de um povo desconhecido, símbolo da resistência de todos os povos em isolamento voluntário, é necessário alterar a categoria de Terra Indígena para Terra Memorial Indígena Permanente, ou alguma denominação equivalente, até mesmo com a criação de uma nova categoria para área protegida.
Os órgãos responsáveis pela proteção dos territórios não podem permitir que a TI Tanaru seja invadida e depredada por não indígenas, sejam empresários ou não. Se isso acontecer, será validado o genocídio como estratégia de expropriação dos territórios indígenas. A liberação do território seria a validação do genocídio como estratégia de expropriação dos territórios indígenas, permitindo, mais uma vez, que a tragédia do extermínio seja utilizada pelos inimigos dos povos indígenas como estratégia para a depredação de territórios originários de povos indígenas.
Estas terras, pela preservação do meio ambiente e de formas diversas de vida, de cultura e de organização social, são áreas de interesse para manter a condição de vida sustentável não apenas para os povos que nelas vivem, mas também para a sociedade brasileira e para toda a Humanidade.
O índio Tanaru morreu na dignidade da sua existência vivida em anos de isolamento, mas a memória do “povo Tanaru” permanecerá como exemplo de luta dos povos indígenas pela possibilidade de existência livre. Não podemos aceitar que os promotores do genocídio deste povo sejam beneficiados com a apropriação do território sagrado do “povo Tanaru”.
A história do Brasil nos mostra que quem derruba o pau é dono do toco, também quem “limpa” o território matando seu povo originário ganha de presente do Estado brasileiro este território banhado de sangue. Não vamos aceitar que isso aconteça. Este território chamado de Terra Indígena Tanaru deve ser demarcado como símbolo de resistência e luta deste grande guerreiro.
O Cimi solidariza-se com os povos indígenas livres que resistem no Brasil e conclama às autoridades para que garantam a preservação deste território e da memória do guerreiro Tanaru.
#Envolverde