ODS2

Fórum global discute o aumento da fome e a urgência de políticas públicas para segurança alimentar nas cidades do mundo

Por Patrícia Kalil, especial para Envolverde – 

Com o tema “Comida para Nutrir a Justiça Climática: da Agenda 21 a Rio+30 Cidades“, começa hoje o oitavo Fórum Global do Pacto de Milão para discutir o impacto ambiental, socioeconômico e na saúde pública do atual sistema alimentar e cadeia produtiva de alimentos ligada ao agronegócio e indústria alimentícia. É a primeira vez que este fórum acontece na América Latina e isso só foi possível graças à parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),  com as prefeituras do Rio de Janeiro e de Milão.  

Na abertura, o professor doutor José Graziano –que foi diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), de 2012 a 2019, e é diretor do Instituto Fome Zero–, defendeu que o Sul Global precisa se envolver na transformação dos sistemas alimentares. Destacou o triste momento histórico e singular que o Brasil passa: 

“Estamos assumindo perante o mundo a vergonha de sermos um dos maiores produtores de alimentos do planeta e termos, ao mesmo tempo, voltado ao Mapa da Fome. O caso brasileiro é um exemplo acabado de como as tecnologias da Revolução Verde, em vigor  há quase 70 anos, não foram capazes de produzir alimentos saudáveis e evitar uma série de problemas sociais e ambientais, provocando o aumento do desmatamento, a poluição de água, a concentração fundiária, a monotonia alimentar, uma epidemia de obesidade e problemas de saúde na população global. No último relatório da FAO a recomendação já é clara para uma mudança de paradigma, deixar de estimular a produção industrial para promover políticas na construção de um sistema alimentar sustentável e saudável. Com a crise climática, teremos que lidar com eventos extremos mas também com a perda da qualidade nutricional dos alimentos produzidos numa atmosfera com alta concentração de CO2.

O discurso de todos os presentes na mesa de abertura enfatizou que a insegurança alimentar é um efeito da crise climática e que a fome vai impactar severamente as populações mais vulneráveis de todas as cidades do mundo. 

Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, falou do planejamento da cidade, das ações concretas que vão desde o Programa de Cozinhas Comunitárias da prefeitura, da alimentação popular para pessoas em situação de vulnerabilidade social com os restaurantes Prato Feito, até a promoção de cadeias alimentares curtas na cidade, de políticas para incentivar hortas urbanas, feiras livres de produtores locais de alimentos in natura, da compra de alimentos de produtores locais pela rede de ensino pública, de políticas para aumentar o acesso da população aos alimentos saudáveis, locais e orgânicos. Ressaltou a contradição de sermos ao mesmo tempo um país que tem hoje uma população adoecida pela comida industrializada, com epidemia de obesidade e problemas de saúde, ao mesmo tempo que temos que lidar novamente com o aumento da população que passa fome. 

A vice-prefeita de Milão Anna Scavuzzo explicou que já todos os governos já sabem que o sistema alimentar atual precisa mudar, pois impacta o clima e a saúde da população no mundo. O modelo atual é insustentável. “É hora de agir local e globalmente, a produção de alimentos não é mais só uma preocupação do campo, agora é também considerada uma preocupação das cidades que estão pensando sobre seu papel na garantia de um sistema para o futuro”.

Valter Frutuoso, da Fiocruz, defendeu a importância de políticas públicas no mundo para restaurar os ecossistemas alimentares, promovendo tanto justiça social como segurança alimentar. “Neste momento de grandes reflexões e do aumento da fome no mundo, fica claro que precisamos fazer uma mudança e regenerar os sistemas alimentares com a promoção de sistemas agroalimentares inclusivos. Este é o centro da discussão: políticas públicas devem ser feitas para sistemas alimentares sustentáveis em conjunto com políticas de meio ambiente, de saúde, de transporte e de energia. Isso exige vontade política, recursos e tempo, sendo necessárias medidas globais de investimento interno e global”.  

Mais sobre o evento

A maioria dos participantes no Fórum são delegações de dezenas de cidades no mundo, ONGs e institutos de pesquisa. O fórum acontece na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Em linha com o discurso, o evento oferece apenas comida vegana e vegetariana, com produção local. A programação não tem mesa com presença da agroindústria ou indústria alimentícia. Confira a programação aqui:  https://www.milanurbanfoodpolicypact.org

Mais sobre o Pacto de Milão

Há sete anos, em 2014, durante a Cúpula C40 na África do Sul, foi consolidado o pacto, para ser uma plataforma de mudança do sistema alimentar nas cidades, preparando-as para enfrentar as mudanças climáticas. Em 2015, em Milão, o documento foi oficialmente lançado e até hoje já foi assinado por mais de 215 cidades no mundo. O Rio de Janeiro assinou o acordo em 2017 e já em 2019 promoveu o primeiro Fórum Regional das Cidades Latino-Americanas, aprofundar o debate latino sobre os problemas regionais e buscando soluções locais para garantir a segurança alimentar da população.

*Crédito da imagem destacada: (Da esquerda para direita) Prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes; prefeita Sade Gawanas de Windhoek na Namíbia; vice-prefeito de Tel Aviv Roberto Ladjanski; prefeita de Paris Audrey Pulvar; vice-prefeita de Milão Anna Scavuzzo; o pesquisador da Fiocruz Valber Frutuoso; e o Dr. José Graziano da Silva, diretor do Instituto Fome Zero.

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