Clima

Brasil pode reduzir emissão de metano em 36% até 2030

Cálculo inédito apresentado pelo Observatório do Clima mostra que país pode superar ambição da meta global com tecnologia disponível.

O Brasil pode reduzir suas emissões de metano em 36% até 2030 em relação aos níveis de 2020 apenas ampliando políticas e medidas já existentes na agropecuária, no setor de energia, no saneamento e no controle do desmatamento. A conclusão é de um cálculo inédito apresentado nesta segunda-feira (17/10) pelo Observatório do Clima.

Num novo relatório do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), a rede aponta que o Brasil tem condições de adotar para si uma meta de corte de metano maior do que os 30% propostos para 2030 pelo Compromisso Global do Metano, um acordo voluntário assinado em 2021 em Glasgow por cerca de 120 países.

Mas o potencial brasileiro é ainda maior: no longo prazo, com políticas mais profundas e maior investimento, o país pode reduzir as emissões desse potente gás de efeito estufa em até 75%.

O metano (CH4) é o segundo maior responsável pelo aquecimento global. Cada molécula desse gás esquenta o planeta 28 vezes mais do que uma molécula de dióxido de carbono (CO2) num prazo de cem anos. Em 20 anos, tal potencial de aquecimento é ainda maior: 80 vezes. Quase metade do aumento de temperatura global observado hoje se deve às emissões de CH4.

Apesar de mais perigoso, o metano é produzido em quantidades muito menores do que o gás carbônico: a humanidade emitiu 52 bilhões de toneladas de CO2 em 2020, contra 364 milhões de toneladas de metano. O CH4 também dura bem menos na atmosfera — menos de 20 anos, contra mais de 100 anos do CO2. Essa meia-vida mais curta torna o metano um bom alvo para estratégias de combate a emissões que permitam à humanidade ganhar tempo para frear o aquecimento global agora e se livrar gradualmente dos combustíveis fósseis. Isso ajudaria a manter viva a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC neste século.

O Brasil é o quinto maior emissor mundial de metano, com 5,5% das emissões globais, ou 20,2 milhões de toneladas em 2020, segundo estimativa do SEEG (valor que vai a 21,7 milhões de toneladas se contabilizadas emissões que hoje não são incluídas no inventário oficial brasileiro). Desse total, 72% vêm da agropecuária, em particular as emissões da fermentação entérica do rebanho bovino — o proverbial “arroto do boi”. Apenas as eructações do gado de corte respondem por mais de metade (11,5 milhões de toneladas) do metano lançado na atmosfera pelo Brasil.

Num distante segundo lugar está o setor de resíduos, com 3,17 milhões de toneladas, ou 16% do total nacional. A maior parte dessas emissões deriva da disposição final de lixo e do esgoto doméstico e industrial. Em seguida vem a queima de biomassa associada ao desmatamento, principalmente na Amazônia. A fumaça da queima das árvores que tombam para dar lugar a pastos e lavouras responde por 9% das emissões brasileiras, ou 2,7 milhões de toneladas de metano anualmente. Os setores de energia e processos industriais respondem juntos por 3% das emissões brasileiras (616 mil toneladas por ano).

O relatório do SEEG estima que, se fossem mantidas as políticas atuais de controle de emissões de metano, o país chegaria a 2030 emitindo 7% a mais do que em 2020. A aplicação de uma série de políticas e medidas em todos os setores, porém, permitiria reduzir as emissões até 2030 para 13,75 milhões de toneladas, ou 36,5% de corte — meta proposta pelo OC ao Brasil.

Entre as medidas para alcançar esse objetivo estão zerar o desmatamento com indícios de ilegalidade, algo com que o governo brasileiro já havia se comprometido, a erradicação dos lixões, a eliminação gradual da deposição em aterros sanitários e o aproveitamento de 50% do biogás nos aterros.

No setor de agropecuária, as práticas mapeadas são o manejo dos dejetos animais, a eliminação da queima da palha da cana — já uma realidade no Estado de São Paulo, maior produtor nacional —, o melhoramento genético do rebanho bovino e a chamada terminação intensiva, como é conhecido o abate precoce com engorda acelerada dos animais.

“O que chama atenção nas políticas e medidas mapeadas nesse estudo é que todas elas trazem ganho econômico. São iniciativas que o poder público ou os produtores rurais, no caso da agropecuária, já deveriam estar fazendo em grande escala, porque se trata de práticas já conhecidas e utilizadas”, afirma Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG. “Agora temos, pela primeira vez, um mapa do caminho para a aplicação dessas práticas e mostramos que o Brasil pode ser ainda mais ambicioso do que o compromisso global e ganhar dinheiro com isso.”

“Sabemos que a agropecuária detém a maior parte das emissões de metano do Brasil, mas também sabemos que o país já possui várias tecnologias que podem colaborar com a alteração desse cenário. Com este relatório, evidenciamos o quanto cada uma delas, se aplicadas de forma eficiente e sustentável, podem impactar positivamente e reduzir as emissões vistas hoje e futuramente no meio ambiente de maneira geral”, explica Renata Potenza, coordenadora de projetos em Clima e Emissões do Imaflora.

“O acesso e a universalização do saneamento básico são primordiais para o setor de resíduos, devendo ser pensados juntamente com as estratégias de mitigação das emissões de metano. A maior parte dessas tecnologias já esta disponível para utilização e possuem baixo ou médio custo de implementação. O CH4 tem um alto potencial energético, que pode ser aproveitado para geração de energia, por exemplo. É uma situação de ganha-ganha”, observa Kaccny Carvalho, analista de Baixo Carbono e Resiliência do ICLEI.

“Muitos brasileiros ainda sofrem com a falta de acesso a energia limpa para cozinhar, dependendo de coletar lenha e gerando poluição do ar dentro de suas casas. A substituição do uso de lenha por fogões a gás, ou melhor ainda, elétricos, pode reduzir a maior parte das emissões de metano relacionadas ao uso de energia, enquanto promove um grande salto de qualidade de vida dessas pessoas em condições de vulnerabilidade”, afirma David Tsai, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente.

“A maior parte das emissões de uso da terra vêm de queimadas associadas ao desmatamento, em especial na Amazônia. Elas fazem mal ao clima e à saúde, e o país só perde com elas. Este estudo fornece ainda mais um motivo para zerarmos o desmatamento o quanto antes: além de ajudar o clima no longo prazo, reduzindo emissões de CO2, isso ainda ajuda a estabilizar a temperatura no curto prazo, com o corte nas emissões de metano”, salienta Bárbara Zimbres, pesquisadora do Ipam.

Sobre o Observatório do Clima — Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 77 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

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