por Mônica Martins – Jornalista e diretora da MM Ideias, Comunicação e Eventos – @monicamartins1714 –
O barro tem aquela força sagrada que cria vida. Dizem que de lá viemos e para lá voltaremos algum dia. Somos parte ambulante da nossa Mãe Terra que acolhe em todas as nossas andanças, nutre nosso corpo e agasalha a todos no seu último berço da vida.
Essa história fala sobre esse poder mineral latente, cheio de possibilidades que se liga por meio do barro para criar um monte de coisas mágicas ou utilitárias – desde a mais pura arte até moradias baratas, simples ou sofisticadas.
Com o barro, se faz uma liga tão especial que, de repente, de uma simples oficina de bioconstrução é criada uma liga de pessoas para repensar o jeito que estamos vivendo, o jeito como estamos nos relacionando com a paciente Terra e os demais seres vivos.
Sem suspeitar o que os esperava no final da experiência, o time de 22 alunos da Escola Estadual Desportista Inaldo Manta (da 2° série B, do ensino médio), viajou, em meados de novembro, de Bragança Paulista até Nazaré Paulista para a primeira oficina de bioconstrução (permacultura) oferecida pela Fazenda Ecológica Bhakti Dham.
A grande missão dos alunos: ajudar a ampliar a cozinha comunitária do local, famosa pelos quitutes veganos, regados a amor e alegria.
A grande missão das professoras: enfrentar o desânimo dos alunos e a falta de interesse nos estudos, principalmente na parte teórica (reação percebida após a pandemia que aumentou a depressão de boa parte dos estudantes no país, prejudicando o desenvolvimento escolar).
“Queremos aproximar os alunos às práticas sustentáveis para que possam compreender a sua grandeza”, ressalta a professora de matemática Jeniffer Mariano, que encontrou o lugar fazendo uma pesquisa pelo Wordpackers, aplicativo de voluntariado.
“A ideia, além de estimular os alunos, é proporcionar vivências práticas de construções sustentáveis e eficiência energética que podem afetar a vida deles no futuro”, explica. “Além disso, queremos que eles expandam o conhecimento de mundo, com a visita a uma ecovila que oferece voluntariado”.
Com o tema “Meu papel no desenvolvimento sustentável”, escolhido pelos próprios alunos, dentro da matéria do novo ensino médio, a ideia é implantar no espaço escolar: um sistema de coleta de água com torneira, um poste com energia fotovoltaica (projeto Litro de Luz) e um banco com a técnica superadobe, feito com sacos de ração, para a garotada se socializar.
“O nível de poluição está tão alto que estamos fazendo que a Terra nos sufoque e também se sufoque. A tecnologia é boa, mas em excesso vamos perdendo nossa essência”, diz Vânia Diniz, professora de física em sistemas construtivos.
Em meio ao som da Natureza, num lugar onde se transpira sustentabilidade, devoção por uma vida saudável, simples e integrada à espiritualidade, os alunos foram recebidos no Bhakti Dham com lanche natural e uma breve palestra antes das atividades programadas de bioconstrução.
“A gente tenta viver uma vida em harmonia com a Natureza. Essa é a forma mais inteligente de viver. Não adianta tecnologia ou dinheiro no banco, se a gente não tiver água para beber”, destacou Adriana Amrta para os alunos enquanto lanchavam sentados à grama.
Casada com o engenheiro de produção Rodrigo Lopes, na Índia, onde esteve por diversas vezes, a socióloga Adriana Amrta lembra dos tempos difíceis que enfrentou logo que começou a pandemia e o casal resolveu assumir o lugar praticamente abandonado, sem saber nada de como gerir uma fazenda.
Havia mato por todo lado, animais, não tinha eletricidade e eles não contavam sequer com um banheiro. A permacultura, por ser algo barato, ajudou muito na construção de espaços como a cozinha, o banheiro e quartos para receber novos residentes e visitas.
A área da Bhakti Dham tem 8 hectares, dos quais 4 deles são considerados área de preservação. Porém, toda a fazenda é tratada com sustentabilidade. No lugar, se encontram animais como lagartos, macacos, veados e onças. É comum ver animais se refugiando de caçadores por ali, onde as nascentes também são preservadas e matam a sede dos bichos.
O casal precisava cultivar a sua própria comida. Então buscaram apoio num programa da Casa da Agricultura de Nazaré Paulista, que ensinou como trabalhar a composteira com cascas de frutas e restos de alimentos para servir de adubo orgânico para a horta. Além disso, fizeram análise de solo que apontou os nutrientes necessários para o seu fortalecimento.
No banheiro seco construído, os resíduos são reutilizados para ajudar a floresta a crescer – é uma integração completa de cooperação com a Natureza, de troca e harmonia, em que todos ganham.
Além das práticas de subsistência sustentáveis, os moradores cultivam a vida espiritual, estudam as escrituras sagradas e costumam cantar para manter o alto astral no seu dia a dia de intensas atividades, que são subsidiadas pelos recursos do próprio casal.
A fazenda ecológica Bhakti Dham conta com um templo Hare Krishna e convive de acordo com as escrituras Vedas, cultura disseminada no ocidente pelo indiano A.C. Bhaktivedhanta Swami, Prabhupada, quando foi morar nos Estados Unidos, em 1966, e ficou famosa depois dos Beatles serem fotografados na Índia, bebendo dessa fonte de sabedoria milenar.
Para a nobre tarefa de ampliar a cozinha do Bhakti Dham, os alunos, com a ajuda das professoras e de voluntários, se dividiram em equipes e juntaram todo o material, composto por terra, água e pasto seco.
Depois, os alunos trabalharam o barro com os pés, formando com as mãos esferas do tamanho de uma bola de futebol. Em seguida, juntaram algumas garrafas de vidro dentro da estrutura armada por troncos finos, achados na região. Isso é o que chamamos de bioconstrução ou permacultura, um modo antigo e barato de construção.
“A experiência foi boa, mostra a vida fora das grandes cidades, fora da tecnologia, fora de tudo que a gente, que é da vida urbana, conhece”, disse Felipe de Simas, um dos alunos.
Para Rafael Silva, acostumado a ficar somente na cidade, a experiência foi inovadora: “relaxante e faz esquecer de todos os problemas”, confessou. Já Rafaela de Souza adorou viver uma experiência nova: “nunca tinha construído uma parede antes”.
A proposta é que os alunos saiam dali como cidadãos conscientes, que respeitem a Natureza e saibam que podem gerar menos lixo, fazer escolhas que impactem menos o ambiente e – utilizem e reutilizem – os recursos naturais, levando a ideia para seus filhos no futuro.
Muitos alunos moram em sítios e chácaras e podem se valer mais desses ensinamentos, mas mesmo os alunos que moram na cidade podem integrar esse conhecimento de diversas maneiras criativas no seu dia a dia.
Se todos fizerem a sua parte, vamos aliviar o peso da poluição. “Quando a gente vive de acordo com o ciclo da vida até a nossa energia muda”, reconhece a professora Vânia, animada com o que encontrou no lugar, já pensando na aplicação das futuras aulas que podem moldar como o barro, de forma positiva, a postura dos alunos diante da vida.
GUARDIÕES DO FUTURO
Fechar os olhos. Escutar os sons de toda a Natureza. Perceber, qualificar e até quantificar os sons, inclusive dos humanos.
Com esse exercício pedagógico, Vanessa Hasson, advogada pelos Direitos da Natureza no Brasil, instigou os jovens presentes a perceberem que, além dos sons naturais do ambiente, existe na Natureza algo mais sutil e energético que pode falar, não pelo mental, mas aos corações mais abertos.
É a partir da escuta da nossa própria sabedoria interior que entramos em conexão com o grande coração da Mãe Terra. Há muito tempo os chamados povos antigos, indígenas e semelhantes guardam a tradição cultural e o segredo de viver em harmonia com a Natureza.
Agora, eles inspiram o outro lado da humanidade a mudar o paradigma da existência: não somente o modo de produção, mas também o ambiente, a vida e a própria arte.
TERRA VIVA
“Quando falamos dos direitos da Natureza, estamos falando sobre o quê?”, questionou a advogada Vanessa, durante a palestra aos alunos. “Nós somos a Natureza e, portanto, quando defendemos a Natureza, estamos lutando por nossa própria vida”.
Por causa desse novo conceito, Vanessa Hasson, que é autora do livro “Direitos da Natureza”, publicado em 2016, foi convidada a integrar o “Movimento pelo Reconhecimento da Natureza”, que está inserido no programa da ONU “Harmonia com a Natureza”.
Nesse movimento internacional, há muitos grupos religiosos e espiritualistas que levam sua sabedoria ancestral para semear o novo momento planetário, cujo conteúdo de estudos e pesquisas está disposto numa plataforma da entidade.
Na realidade, estamos em processo de mudança da visão Antropocêntrica, cuja concepção faz do homem o centro do Universo, para a visão Ecocêntrica, que ainda luta por inserir uma gama de perspectivas para o relacionamento mais harmônico com a Natureza, que envolve o Todo.
VAMOS À GENEBRA?
Simmm! No final da palestra e para a surpresa geral, a advogada Vanessa Hasson deixou o convite aos alunos e ao Bhakti Dham para participarem do próximo encontro de jovens na ONU, Genebra, em 2023.
A proposta é que eles possam atuar como embaixadores e levem soluções pautadas na realidade de suas comunidades para compartilhar, agregar e também complementar iniciativas de outros jovens no mundo. “Nada empodera mais a sustentabilidade do que o agir sustentável local e o interagir com jovens de outros países”, ressalta a advogada.
Vanessa Hasson contou aos alunos que conheceu a fazenda ecológica Bhakti Dham quando se envolveu no “1º Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza”, que teve a colaboração de Adriana Ambrta na organização do evento.
A história de conexão com a Natureza de Vanessa vem desde criança e foi uma verdadeira sinergia quando ela conheceu o movimento Hare Krishna, há cerca de 13 anos, pois eles também atuam na defesa da natureza, tema de seu doutorado.
De lá para cá, nasceram várias ações pela defesa da nossa Mãe Terra, orquestradas por Vanessa Hasson e apoiada por Adriana Ambrta. O esforço conjunto culminou com a criação do “Fórum em Defesa da Natureza”, com edições realizadas no México e no Brasil, e que lançou sementes importantes na legislação em defesa da Natureza, com o interesse de várias nações.
A “Escola do Bem Viver”, inaugurada em Bertioga, utiliza a arte como meio de expressar a conexão e conscientização com a Natureza e é outra ação relevante liderada por Vanessa Hasson com a participação de Adriana Ambrta, que se firmaram como grandes defensoras da Natureza.
A iniciativa da “Escola do Bem Viver” pode ser replicada em outras regiões que tenham interesse na proposta e já fincou suas sementes também no Bhakti Dham. Mais animados pelo bom resultado com a escola Inaldo Manta, em breve a comunidade poderá usufruir da nova atividade no local.
DESPEDIDA COM O GURU
“Essa geração de jovens são os guerreiros, heróis ecológicos do futuro. Vocês ainda não sabem, mas são guerreiros e haverá guerra”, alertou o mestre B.C Shanto Maharaj para os jovens ali presentes. “Não necessariamente uma guerra física, mas uma guerra de ideias e de palavras”, complementou.
Shanto, como é chamado o guru, é inglês e já morou em vários países, como China, Japão, Alemanha e Índia, atuando como professor de inglês. Atualmente, mora em Bhakti Dham, onde adora dar mergulhos no rio, homem de poucas palavras, mas de vez em quando solta o verbo e surpreende com seu bom humor e altas gargalhadas.
O guru, que foi discípulo de Bhaktivedhanta Swami, Prabhupada, perdeu sua mãe muito jovem, o que o fez entrar para o Templo Hare Krishna para compreender o sentido da morte. Ele já segue essa linha de consciência há mais de 50 anos, tendo aprendido várias línguas em suas andanças pelo mundo.
PAREM COM A MATANÇA!
“Há milhares de anos a humanidade tem tratado a Terra e, também uns aos outros, como algo exploratório, mas isso não é verdade em toda a humanidade, obviamente”, pondera.
“Existem pessoas que moram lá no Thibet, que vivem sobre os princípios raros da não exploração. Mas, durante milhares de anos, a exploração tem acontecido, a diferença é que agora a humanidade é poderosa”, acentua.
“Antigamente, as pessoas iam lutar com pistolas, rifles, mas agora temos bombas atômicas. É muito importante tentar dizer: vamos parar! Se a gente tem uma mensagem para o mundo é: PAREM!”
Shanto argumenta que essa geração tem o poder de parar isso. Por exemplo, o dinheiro pode ser algo bom, é um meio pra fazer coisas, sempre que entenderem o que é o dinheiro.
O ponto problemático, de acordo com o mestre, é quando a gente coloca o dinheiro como se fosse o objeto de valor supremo e todo mundo está correndo atrás e chegam a passar em cima dos outros para obter aquilo, mas isso é uma má compreensão.
ALIENAÇÃO INSANA
“Se vocês estiverem no meio da floresta, perdidos, o que seria mais importante, uma sacola de dinheiro ou um monte de bananas?”, questiona Shanto Maharaj.
Segundo ele, o dinheiro tem valor unicamente de acordo com aquilo que ele pode comprar. Mas as pessoas nesse mundo estão como enfeitiçadas. Nas escolas, por exemplo, não ensinam sobre o dinheiro.
O guru pergunta: Quem de vocês sabe o que é o dinheiro e como funciona no banco?
“Mas vocês vão ter de lidar com o dinheiro o resto da sua vida, vão ter de pagar, financiamento o resto da vida, e vocês não sabem como funciona o dinheiro, como surgiu e como os bancos funcionam”.
O inglês questiona aos estudantes: por que vocês não pensam que essa é uma informação importante? Por que nas escolas não ensinam isso? Ora, porque alguém não quer que vocês saibam a verdade das coisas. Nós estamos sendo enganados o tempo inteiro. Estamos como num feitiço e a nossa vida é basicamente uma mentira.
“Os celulares, por exemplo, vêm da China, onde morei”. Segundo ele, famílias inteiras moram em fábricas naquele país. Trabalham de dia e de noite. O esposo mora separado da esposa e as crianças moram na fábrica, simplesmente para fazer o nosso celular.
“Então, essa é uma ideia imperial de exploração que tem de escravizar uma outra pessoa de tal forma que possamos ter perfume e outras coisas legais que vêm de lugares como a China e o Paquistão, onde as pessoas vivem quase como escravas para que possamos desfrutar as coisas boas da vida”, diz o mestre, perplexo.
SOFRIMENTO E FELICIDADE
“Nós, Hare Krishna, acreditamos numa coisa que se chama karma e justiça absoluta. Não podemos ser felizes a despeito da felicidade de outros seres, de outras criaturas”.
Segundo o guru, se você causar sofrimento para a Natureza, como os pássaros ou árvores, esse sofrimento vai voltar para você como um assunto de justiça universal. Os seres humanos estão pensando no porquê da guerra: “Isso é um resultado direto da crueldade com os animais”, revela.
Shanto Maharaj faz um apelo: “Não sei se há alguém aqui que é vegetariano, mas eu realmente falo para vocês serem vegetarianos. Tentem diminuir a crueldade em sua vida”.
Ele complementa: “eu suponho que vocês não sabem como é num abatedouro, assim como vocês não sabem como é feito o celular e o sapato. Encontrem essa informação, não sejam tolos. Essa geração tem de acordar!” – bradou o mestre, causando reações na plateia.
Numa de suas lives, que acontecem sempre no período da manhã e são informadas por um link no whatsapp, Shanto Maharaj dá uma chave para quem quiser ser realmente feliz na vida.
“Existe um segredo muito grande, um segredo inabalável. Se você não tem praticado, faça a gratidão. Diga: obrigado. E quando você reclamar, quando as coisas estiverem muito ruins, lembre-se de agradecer por tudo o que você tem”, ensina.
Além das lives pelo youtube, é possível participar do “Bhakti Day”, um evento aberto ao público que acontece uma vez por mês ali mesmo no local em meio ao verde, que é como um retiro onde ocorrem várias atividades durante o dia.
CORAÇÕES REVIGORADOS
Ao voltarem para a rotina escolar, a professora de matemática, Jeniffer, informou que houve melhora no ânimo dos alunos, principalmente na parte prática dos estudos.
“Para mim, a experiência de conhecer uma ecovila e pessoas que vivem de forma sustentável, em harmonia com a Natureza, mexeu profundamente”, revela. Desde então, a professora procura aderir à alimentação vegetariana, está separando os lixos recicláveis e até iniciou uma horta.
Todos são professores e alunos em matéria de preservar a vida do planeta. “Percebi que posso fazer minha parte, mesmo que pequena, e que posso contribuir mais para minimizar os impactos que a Natureza sofre com a urbanização descontrolada e inconsciente”, argumenta.
Passado o período de provas, os alunos produzirão vídeos para contarem como a experiência no Bhakti Dham impactou em suas vidas. Coordenados pelas professoras Jeniffer e Vânia, a escola Inaldo Manta já começa a discutir as formas dos seus alunos contribuírem na ONU para o futuro da nossa Mãe Terra, também chamada pelos povos antigos de “Patchamama”.
Uma forte sensação de liberdade surge quando rompemos com os nossos velhos hábitos, que aprisionam a nossa mente num círculo vicioso que destrói tudo aquilo que a Terra construiu.
Como uma antiga técnica capaz de unir pessoas para moldar bolas de barro e ampliar uma cozinha, também podemos aprender com os povos antigos a “ouvir o coração da nossa mente” para ampliar a nossa percepção diante da existência.
Quem sabe assim reencontramos o fio de consciência que nos liga a todos ao grande útero telúrico da Mãe Natureza para juntos tecermos uma nova vida, um novo amanhã mais sustentável, justo e abundante para todos.