Vinha sendo recebido com muitas críticas o anúncio do nome do sultão Al Jaber, um executivo da Companhia Nacional de Petróleo Abu Dhabi (ADNOC), como chefe das negociações sobre o clima da ONU deste ano, marcadas para acontecer nos Emirados Árabes Unidos (EAU) em novembro. Mas hoje quatro grupos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) e 425 organizações representando milhões de pessoas em todo o mundo pedem não só que o presidente da COP28 seja isento e independente de interesses ligados aos combustíveis fósseis, mas também que a influência imprópria que permitiu sua nomeação seja interrompida.
Numa carta às partes da UNFCCC, Simon Stiell, secretário-executivo do órgão, e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres – que não economizou palavras a respeito da manobra da indústria dos combustíveis fósseis e de seus catastróficos planos de expansão – as constituintes e os grupos detalham o enorme papel do ADNOC no fomento da crise climática, bem como a negligência dos governos mundiais em permitir que os poluidores comandem a agenda das negociações globais.
“Os poluidores têm um papel a desempenhar: deixar de poluir. Não podem ser colocados num pedestal de liderança e certamente não estão em posição de minar e enfraquecer as políticas. Isso é simplesmente um absurdo. A UNFCCC não apenas reluta em adotar uma política clara a respeito de conflito de interesses, como está tendo prejudicada a sua já enfraquecida confiança em nível internacional a cada ano que passa”, disse Gadir Lavadenz, da campanha global Exija Justiça Climática, parte da rede global Kick Big Polluters Out (KBPO), responsável pela carta de hoje.
A rede de mais de 450 organizações pede que a UNFCCC adote uma Prática de Responsabilização que impeça que os maiores poluidores do mundo influenciem a elaboração de políticas climáticas globais.
Com a falta de controle sobre as interferências da indústria, grupos lobistas convergem para as negociações anuais sobre o clima todos os anos. Eles participam até mesmo como membros de delegações nacionais, como foi o caso da delegação de 1000 pessoas dos Emirados Árabes Unidos que contou com mais lobistas de combustíveis fósseis do que qualquer outra delegação nacional.
Além disso, empresas como a Coca-Cola, a maior responsável pela poluição de plásticos do mundo, foram autorizadas a literalmente patrocinar as conversas sobre o clima no ano passado. Dezoito dos 20 patrocinadores da COP27 ou são parceiros diretos ou estão ligados à indústria dos combustíveis fósseis. Também na COP27 uma empresa de relações públicas com longa ligação com a indústria de combustíveis fósseis e outros setores párias foram contratados para gerenciar as comunicações.
“A lista de interferência política e de cooptação da UNFCCC é ampla. (Eles) transformam em piada o espaço e o trabalho crítico que a mesma tem de realizar. A nomeação de um executivo do petróleo) é a gota d’água necessária para, enfim, motivar o resgate da UNFCCC de um longo declínio rumo aos bolsos dos Grandes Poluidores”, disse Coraina de la Plaza, da Global Forest Coalition, outra organização membro da KBPO.
O que faz a nomeação de Al Jaber especialmente insidiosa é o fato de que ele comanda uma empresa que está entre as 15 maiores emissoras de carbono. A nível global, os planos de expansão do ADNOC só estão atrás da Qatar Energy. Não é surpresa que estes planos são totalmente incompatíveis com as projeções da Agência Internacional de Energia, entre outros, que buscam evitar danos ainda mais catastróficos decorrentes das mudanças climáticas. A ADNOC está até pleiteando a produção de mais de 5 milhões de barris de petróleo por dia.
O pedido da rede KBPO por salvaguardas duradouras contra interesses poluidores ganha mais relevância quando líderes mundiais, como o enviado especial do governo dos Estados Unidos, John Kerry, e Frans Timmermans, da União Europeia, chegaram a elogiar a nomeação de Al Jaber, com Kerry descrevendo-a como uma “excelente escolha”. Kerry argumentou que o fato de ele ter feito alguns negócios na área de energias renováveis de alguma forma o torna uma escolha “equilibrada” e não um fantoche dos poluidores.
“Em meio ao crescente caos climático, a UNFCCC tem sido cada vez mais sequestrada pelo poder corporativo – especialmente por interesses dos combustíveis fósseis – ao mesmo tempo em que reduz o acesso da sociedade civil… O equilíbrio de poder na COP, um espaço multilateral e democrático, está gradualmente se distanciando da soberania dos detentores de direitos em direção a plataformas corporativas dominadas por diversas partes interessadas. Não cederemos este espaço para aqueles cujo interesse é o lucro acima das pessoas e do planeta. Esta é uma crise climática e simplesmente não podemos perder terreno”, disse Getrude Kenyangi, membro do Comitê Facilitador de Mulheres e Género (WGC) do Comitê.
A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial de Saúde (OMS FCTC) teve a perspectiva de abordar a interferência da indústria desde o início com grande efeito. Outros órgãos da ONU, tais como os emergentes órgãos negociadores dos tratados de pandemia e plástico, também enfrentam apelos semelhantes para controlar o envolvimento de interesses comerciais. E um tratado vinculado sobre negócios e direitos humanos está chegando próximo de uma década de negociações para prestar um mínimo de responsabilidade a nível mundial a empresas como as que se envolvem mais ativamente na UNFCCC e em outros fóruns da ONU.
Os signatários da carta, assim como os seus pares alinhados nestes espaços, veem os mecanismos de responsabilização empresarial como fundamentais para o sucesso da UNFCCC, sem falar da ação climática de forma mais ampla. Como ponto de partida, as organizações exigem um presidente da COP28 livre da influência de combustíveis fósseis e que os interesses de todos os participantes na COP28 sejam declarados proativamente.
#Envolverde