Por Dal Marcondes, especial para a Synergia Socioambiental* –
As cidades, em geral, e os grandes centros urbanos, em especial, são sumidouros de recursos e grandes geradores de impactos climáticos. No entanto, não têm centralidade nos debates promovidos nas COPs que anualmente debatem o clima.
Essa ausência das cidades nas políticas climáticas globais é um ponto levantado pelo médico e ex-vereador de São Paulo, Gilberto Natalini, que está em Dubai participando da COP28. Ele acredita que as cidades deveriam ter um papel mais central nos diálogos sobre transição para uma economia de baixo carbono, uma vez que é em suas ruas e avenidas que se queima a maior parte dos combustíveis fósseis, vetores das emissões de CO². Além de ser também nas cidades que as populações sofrem os impactos mais evidentes na saúde e na destruição por eventos extremos.
Como você vê a representação das cidades nas COPs?
Natalini – Acredito que as cidades não estão adequadamente representadas nas decisões da COP. Infelizmente é uma reunião apenas de chefes de Estado, de governos nacionais e quase nada é debatido sobre as cidades. Elas ficam em espaço paralelo e as discussões e debates que representantes de cidades e de organizações que atuam com qualidade dos espaços urbanos, como o Iclei [Governos Locais pela Sustentabilidade], por exemplo, não entram nos documentos finais das COPs. Tivemos muitas conversas com representantes de cidades ao redor do mundo, e nossa luta é exatamente para que as cidades tenham um espaço institucional.
A não participação das cidades significa que a maior parte da população mundial está sub-representada nas COPs?
Natalini – É preciso mudar isso nas próximas COPs, porque, afinal de contas, uma parte enorme da população do mundo vive nas cidades e são as cidades que formam os ambientes mais sensíveis às alterações no clima. São habitats vulneráveis aos extremos climáticos e onde as tempestades e outros fenômenos destroem vidas, patrimônio e infraestruturas. São grandes prejuízos para as famílias e para a sociedade, e para o poder público, que precisará reparar as perdas.
Como as cidades podem contribuir para a mitigação das mudanças climáticas?
Natalini – As cidades podem fazer grandes contribuições para o combate às mudanças climáticas, especialmente tendo em vista que uma grande parte dos gases de efeito estufa é emitida pela frota de veículos. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, 70% das emissões de CO² vem da queima de combustíveis fósseis por automóveis, caminhões e ônibus. Além disso, também tem a energia estacionária, a energia de iluminação, a energia de uso de refrigeradores e ares-condicionados, toda a maquinaria existente nas cidades e que gasta muita energia e também emite gases estufa. Eletrificação do transporte público e programas de eficiência energética nas cidades podem fazer toda a diferença.
As cidades podem ser vistas como parte importante do problema climático?
Natalini – As cidades são grandes usuárias de combustíveis fósseis. Então, tudo o que acontece nelas pode ser melhorado do ponto de vista de ação climática. Incluir as cidades nos planos de controle das mudanças do clima é fundamental, já que a maioria da humanidade vive nesses lugares. É lá que se consome a energia, onde se produz resíduos, onde os processos de saneamento são, na maioria das vezes, deficitários. Enfim, é um tema de alta complexidade e que precisa entrar na pauta das grandes conferências do clima. Claro que temas como uso do solo, florestas, agricultura e outros são muito importantes, mas eu repito: as cidades também são importantes.
Você acredita que a COP28 conseguirá deixar um legado positivo?
Natalini – Eu estou bastante apreensivo com a COP de Dubai, com os resultados. Sinceramente falando, eu vi uma declaração do presidente da COP, que na verdade é um empresário do petróleo, em que ele diz que não há comprovação científica de que o aquecimento global é produzido pela queima do combustível fóssil. Se o presidente da COP28 tem esse tipo de opinião, torna-se difícil acreditar que a organização esteja realmente trabalhando em direção à eliminação do uso do petróleo até 2050. Está tudo muito confuso por aqui, uma certa desorganização. São cerca de 80 mil pessoas de quase 200 países e é difícil estabelecer uma régua de prioridades. Mesmo assim, espero que, no final, as conclusões sejam práticas, tanto no campo da mitigação e da adaptação como no campo do financiamento, não é?
*Synergia Socioambiental e Envolverde na cobertura da COP28.