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Cooperação Sul-Sul sem restrições

Bangcoc, Tailândia, 31/8/2011 – A Indonésia recebeu da Alemanha 40 vagões de um trem elétrico que de nada lhe serviram, porque não eram adequados às suas ferrovias. O ativista Don Marut usou este exemplo para questionar as dificuldades da assistência que o mundo rico presta ao Sul em desenvolvimento. Comprados da Alemanha dentro de um pacote de “ajuda condicionada”, os vagões, construídos para ferrovias mais largas, estão enferrujando em uma estação de trem da Indonésia, apesar de fazer parte de um projeto para melhorar a eficiência do setor e contar com apoio do Banco Mundial.

“Ajuda condicionada” é um “eufemismo para imposições rigorosas que as nações do Sul têm de aceitar para receberem um empréstimo para o ‘desenvolvimento’ feito por um país ocidental”, disse Marut, diretor-executivo do não governamental Fórum Internacional para o Desenvolvimento da Indonésia. As ataduras disfarçadas de assistência ao “desenvolvimento” são uma artimanha comum dos países ricos para “recolocar tecnologia não utilizada”, explicou Marut na conferência sobre assistência e desenvolvimento realizada na capital da Tailândia. “Não pode continuar assim. Estamos apoiando o negócio da assistência para garantir o emprego nas agências doadoras”, ressaltou.

A entrada em cena de atores como a China e, cada vez mais, a Índia, que oferecem milhões de dólares em ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) sem condições mudam as regras do jogo, segundo analistas. Numerosos ativistas afirmam que o quarto Fórum de Alto Nível sobre a Efetividade da Assistência, que acontecerá de 29 de novembro a 1º de dezembro na cidade sul-coreana de Busan, será um ponto de inflexão para a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), um grupo de países ricos que há décadas fixa a política de assistência ao desenvolvimento.

“A legitimidade da OCDE foi questionada pelos novos doadores, especialmente China e Índia, na Ásia, e Brasil, na América Latina”, afirmou Antonio Tujan, diretor da Ibon International, organização com sede em Manila. “A crise econômica global complicou a OCDE e colocou em xeque sua própria existência”, ressaltou. A OCDE sabe que “as nações em desenvolvimento podem recorrer à China se não querem aceitar as condições de assistência tradicional”, disse Tujan à IPS. “A reunião de Busan será um processo dirigido pela OCDE, mas marcará a mudança de caminhos no cenário da ajuda ao desenvolvimento”, acrescentou.

A ajuda ao desenvolvimento Sul-Sul incluiu US$ 2,5 bilhões dados pela China em 2009 e US$ 547 milhões dados pela Índia em 2008, abaixo do valor global de US$ 140 bilhões em 2009. Estimativas da Faculdade Wagner, da Universidade de Nova York, indicam que a contribuição chinesa foi muito maior e chegou a US$ 27,5 bilhões, em 2006, e a US$ 25 bilhões no ano seguinte. Os números manejados pela Universidade se baseiam em notícias da imprensa, e coincidem com o estudo “Cooperação Sul-Sul: um Desafio ao Sistema de Ajuda”, publicado pela Ibon. “Parece consenso que a ajuda da China é substancial e que aumentou nos últimos anos”, acrescenta o estudo.

A África continua sendo o principal objetivo da generosidade da China, ao receber 45% dos fundos concedidos por Pequim. A Índia dividiu sua assistência entre países da Ásia meridional, como Butão e Afeganistão, e da África, como Sudão e Etiópia. A ajuda, a assistência ao desenvolvimento e o comércio da China com o Camboja, país que luta para se recuperar desde 1991, quando se chegou a um acordo de paz que acabou com um sanguinário conflito de duas décadas, ilustra a velocidade com a qual aumenta a cooperação Sul-Sul e se corrói o monopólio dos doadores ocidentais. Pequim contribuiu com US$ 850 milhões para construir 14 represas em 2008, um sensível aumento em relação aos US$ 45 milhões investidos em 2003.

“China e Índia entraram no terreno com interesses estratégicos e de política externa”, disse Kavaljit Singh, diretor do Centro de Pesquisa sobre Interesse Público, com sede em Nova Délhi. “A China quer ter acesso a recursos naturais em troca de seu investimento em infraestrutura, enquanto a Índia pretende assegurar benefícios geopolíticos e uma voz mais forte no cenário internacional”, acrescentou. Contudo, nem Pequim e nem Nova Délhi revelam qual papel pretendem desempenhar na reunião de Busan organizada pela OCDE.

O grupo de países ricos “quer Índia, China e Brasil porque sabem que sua legitimidade e influência no mundo estão diminuindo”, afirmou Anselmo Lee, do Fórum de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento da Sociedade Civil Coreana. “A OCDE não se sente cômoda com a competição do Sul. É um dos assuntos políticos mais importantes que correm nos bastidores”, declarou à IPS. Envolverde/IPS