Nova York, Estados Unidos, 31/8/2011 – Para a maioria das pessoas, é quase natural ser cidadão de um país, a ponto de ser difícil entender que existam 12 milhões de apátridas no mundo, carecendo dos direitos mais básicos. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) lançou uma campanha para conscientizar sobre a situação de pessoas que carecem de cidadania, para que os governos cuidem das dificuldades que sofrem. As comunidades e pessoas que não têm país “necessitam de ajuda, porque vivem em um limbo legal de pesadelo”, afirmou António Guterres, alto comissariado para os Refugiados.
Sem cidadania é quase impossível que as pessoas melhorem sua situação. A própria legislação de alguns países impede que as pessoas legalizem seu status, o que as priva do direito de votar e ter um representante legal. Nesse contexto, se torna difícil serem ouvidas. As pessoas carecem de direitos básicos e não podem levar vidas normais. É muito difícil ter acesso a educação, encontrar trabalho, casar, abrir conta em banco e receber assistência médica.
Os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) redigiram, em 1954, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas para tratar do assunto e definir a condição. Em 1961, voltaram a se reunir e acordaram certos princípios e um contexto legal para reduzir o número de pessoas nesta situação. A Convenção de 1954 foi assinada por 66 países e 39 fazem parte da de 1961. A Acnur estima que existam 12 milhões de apátridas no mundo e reconhece que a definição dificulta a coleta precisa de dados. Isto pode elevar o número real a 15 milhões de pessoas.
Uma pessoa pode perder a cidadania de várias maneiras. Uma das mais comuns é quando um Estado deixa de existir, como quando foi dissolvida a União Soviética na década de 1990. Outras causas são discriminação étnica, racial ou de gênero, e a simples negligência ao registrar o nascimento de um filho ou filha. Os trâmites para obter uma cidadania dependem do país, podem ser muito caros ou complicados, quando existem. Os russos do Cazaquistão não puderam optar pela cidadania cazaquistanesa, após o desaparecimento da nacionalidade soviética, e nem pela russa, porque era necessário residir determinado tempo na Rússia.
“São problemas que podem ser resolvidos com medidas administrativas e legais”, explicou Vincent Cochetel, funcionário da Acnur, que foi sequestrado perto da Chechenia em 1998. Contudo, em alguns países com práticas discriminatórias, as leis “sistematicamente criam mais obstáculos para que um setor da população obtenha cidadania”, disse Cochetel à IPS. Poucos países criaram leis para evitar a discriminação e conceder a cidadania a pessoas apátridas. É um assunto que muitos “passaram por alto totalmente”.
Há estados que têm uma “cultura da negação” e buscam atribuir a responsabilidade aos seus vizinhos, explicou Cochetel, acrescentando que o problema não desperta interesse na comunidade internacional. A crença habitual de que não ter pátria é um fenômeno velho impede que se avance no plano legal. A Acnur pretende convencer os Estados da urgência do assunto para que “tomem medidas práticas e ajudem as pessoas no trâmite de documentos e a terem direito a uma nacionalidade”, afirmou. Além disso, objetiva trabalhar com os Estados para eliminar as barreiras que causam essa situação.
“Sem nacionalidade, não podem ter acesso a nada”, insistiu Cochetel. Muitos apátridas são parte de comunidades marginalizadas, sem governo e nem embaixada que os proteja. Com poucas oportunidades de educação e emprego é difícil subsistir. Há pessoas sem cidadania em muitas partes do mundo, mas a Acnur destaca que a situação é “particularmente grave” no sudeste da Ásia, Ásia central, Europa oriental, Oriente Médio e em alguns países africanos. A situação em Marrocos, Argélia, Egito, os da antiga Iugoslávia, Quirguistão e Quênia, é considerada “a caminho” de reformar a legislação, embora ainda nada tenha sido colocado em prática.
Existem países que sancionaram leis que concedem a cidadania a certas comunidades ou minorias. Brasil, Bangladesh, Iraque, Vietnã e Indonésia melhoraram suas legislações para torná-las mais inclusivas. A campanha da Acnur sobre a apatridia durará vários meses. Na sede das Nações Unidas em Nova York foi montada a mostra “Gente de Nenhum Lado”, contendo fotografias e informação sobre as pessoas nesta situação. Envolverde/IPS