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Organizações denunciam limpeza étnica no Sudão do Sul

Washington, Estados Unidos, 1/9/2011 – No dia 19 de junho, o camponês Angelo al Sir, da pequena aldeia de Kadugli, no Sudão do Sul, viu morrerem sua mulher grávida, dois de seus dez filhos, o sobrinho e outro familiar durante um ataque aéreo em plena luz do dia. Al Sir disse a investigadores internacionais que sua mulher estava cultivando nos campos da família quando um avião Antonov começou a sobrevoar a área. Pouco depois, começou a chover bomba sobre a casa simples de Al Sir, matando a mulher e seus filhos, que cozinhavam juntos nesse momento.

A família de Al Sir habitava as montanhas Nuba, região onde há muitos integrantes do Movimento pela Libertação do Povo do Sudão (SPLM), alvo de intensos ataques das forças armadas do Sudão. Após semanas de investigações e entrevistas com civis na região, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch (HRW) divulgaram um relatório, no dia 30 de agosto, com evidência irrefutável de bombardeios indiscriminados sobre áreas civis por parte de Cartum.

“A implacável campanha de bombardeios está matando e mutilando homens, mulheres e crianças, deslocando dezenas de milhares de pessoas, deixando-as em desesperada necessidade de ajuda e impedindo que comunidades inteiras plantem e alimentem seus filhos”, disse o diretor da HRW para a África, Daniel Bekele.

Por sua vez, Donatella Rovera, assessora da Anistia Internacional em resposta a crises, acrescentou: “O governo sudanês está literalmente fazendo das suas com os homicídios e impedindo que o mundo descubra. A comunidade internacional e particularmente o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) devem deixar de olhar para o outro lado e agir para enfrentar a situação”.

Apesar de organizações e investigadores independentes coletarem evidência de uma campanha de limpeza étnica na província de Kordofan do Sul desde o começo de junho, Cartum continua negando veementemente informes sobre ações ilegais. O governo do norte afirma que seus ataques são legítimos, pois ainda existe a ameaça de grupos armados em Kordofan do Sul.

Victoria Nuland, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, afirmou, no mesmo dia 30, que Washington está “profundamente preocupado com os informes sobre constantes bombardeios das forças aéreas sudanesas em áreas civis de Kordofan do Sul”. E acrescentou que “os Estados Unidos exortam o governo do Sudão a respeitar os compromissos e chama as duas partes no sentido de permitirem acesso humanitário sem restrições às populações do Estado”.

Desde 9 de julho a imprensa destaca a independência do Sudão do Sul após uma sangrenta guerra civil que deixou mais de dois milhões de mortos pelos combates e pela fome. Contudo, enquanto o mundo saudava a “divisão pacífica” do Sudão, a batalha continuava na fronteiriça província de Kordofan do Sul, cuja população indígena se simpatizou com as aspirações políticas do sul na luta contra o presidente do norte, Omar al Bashir. Quando ficou iminente a independência do Sudão do Sul, onde ficam três quartos dos campos de petróleo sudaneses, Cartum ordenou à população de Kordofan do Sul que se desarmasse.

Segundo o investigador independente Eric Reeves, um dos primeiros a documentar extensamente evidência de limpeza étnica e ataques a civis na província, os membros da população Nuba “nunca foram tratados como seres humanos por parte de Cartum”. Reeves disse ainda: “Quando visitei as montanhas Nuba, falei com vários altos oficias militares e líderes da sociedade civil. E me deixaram claro que não tinham saída, não tinham outra opção além de lutar, e lutar até morrer”.

A Anistia e a HRW chamaram Cartum a permitir investigações independentes, que poderiam derivar em acusações por crimes de guerra. Pelo menos 150 mil pessoas teriam abandonado suas casas na região e se refugiado com vizinhos ou construído tendas. Nenhum dos investigadores encontrou evidência de objetivos militares perto dos lugares atacados, enquanto uma infinidade de testemunhos afirmam que aviões de alta velocidade bombardeavam continuamente campos abertos e escolas.

Especialistas em armas afirmam que as munições são lançadas, de forma manual, de aviões de carga, o que não permite um ataque preciso. “O uso de armas em uma área civil que não podem ser dirigidas com precisão contra um objetivo militar constitui um ataque indiscriminado, violando o direito internacional humanitário”, disseram as duas organizações no dia 30.

Os refugiados também carecem de medicamentos básicos, saneamento e abrigo das fortes chuvas. Muitos dos entrevistados estavam à beira da fome e haviam alimentado seus filhos com folhas, devido à falta de comida. Valerie Amos, subsecretária-geral da ONU para assuntos humanitários, divulgou esta semana um comunicado onde diz que “a crise em Kordofan do Sul atingiu um ponto crítico. O governo do Sudão negou permissão às agências internacionais de ajuda para que voltem a abastecer suas reservas e enviem pessoal por seis semanas”.

Segundo Amos, “as provisões essenciais acabaram completamente em muitas partes de Kordofan do Sul, deixando muitas pessoas em uma situação que ameaça sua vida, sem nenhuma possibilidade de alívio. A menos que parem imediatamente os combates e as organizações tenham acesso imediato e irrestrito a Kordofan do Sul, os habitantes enfrentarão catastróficos níveis de desnutrição e mortalidade”. Envolverde/IPS