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As ruas se enchem de devedores de hipotecas

Madri, Espanha, 7/10/2011 – Enquanto por toda a Espanha cresce o número de apartamentos e casas cujos moradores foram despejados por falta de pagamento da hipoteca ou do aluguel, milhares de famílias, muitas imigrantes, vivem nas ruas ou amontoadas em cômodos precários. Desde que a crise econômica global chegou com seus males à Espanha, os bancos executam cada vez mais ações jurídicas contra os devedores levando a leilão os imóveis hipotecados e, em geral, diante da falta ou redução de ofertas, as próprias entidades os compram por um valor muitíssimo inferior ao valor da dívida.

O Código Civil ampara essa atitude dos banqueiros, porque diz que “pelo não cumprimento de suas obrigações responde o devedor com todos seus bens presentes e futuros”. A Lei de Ajuizamento Civil estabelece que, se uma vez “leiloados os bens hipotecados ou penhorados e seu produto for insuficiente para cobrir o crédito, o executor poderá pedir o embargo pela quantia que falta e a execução continuará segundo as leis ordinárias”.

Por isso, ao contrário do que ocorre em outros países, os bancos não consideram encerrado o assunto ao retomarem o imóvel, mas continuam cobrando o pagamento da dívida restante, além dos juros elevados e as custas judiciais. No geral, os juízes aceitam suas demandas e embargam tudo o que podem, inclusive os salários dos devedores, os quais, além de perderem sua moradia, veem sua renda ser restringida ao máximo.

Os banqueiros “pretendem que os clientes respondam até com seus ossos”, disse Gustavo Fajardo, advogado da organização não governamental América-Espanha, Solidariedade e Cooperação (Aesco). Uma resposta que serviria para que eles continuem com seus altos salários, aos quais se soma o que obtêm como donos de ações empresariais.

Dois exemplos disso são o presidente do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), Francisco González, que recebe salário anual de 5,6 milhões de euros (US$ 7,5 milhões), e o conselheiro do Santander, Alfredo Sáenz, que com 9,1 milhões de euros (US$ 12 milhões), que é o banqueiro mais bem pago da Espanha. Esses dois valores são depois da queda de 10% em 2010.

Nos últimos anos, na Espanha aumentaram à “chabolas” (favelas), bem como a quantidade de pessoas que vivem nas ruas, embora, segundo um informe do estatal Banco da Espanha, haja entre 800 mil e um milhão de apartamentos vazios, e fontes privadas dobrem esse número.

Fajardo explicou à IPS que isso acontece porque os partidos representados no parlamento não estão a favor de mudar “um sistema perverso, pois não vão atirar contra os bancos e as caixas de poupança, com os quais estão superendividados, e essas obrigações não são executadas nem se exige o pagamento. Isso por que quem tem o rabo preso não brinca com vela”.

Perguntado pela IPS sobre o futuro da imigração, o advogado afirmou que “nas circunstâncias em que vive e viverá a Espanha nos próximos cinco anos, ninguém virá, e os que vieram estão fugindo da penúria e da pobreza emergente neste reino”. Fajardo acrescentou que “os seres humanos emigram sempre por necessidade fugindo da seca, da fome ou da violência social, logicamente vão para onde há terras aptas para o cultivo, trabalho e um mínimo de garantias para subsistir”.

O ativista destacou que cada vez há menos “emprego, que também ficou precário, e existe um exército de sete milhões de homens e mulheres privados do direito essencial dos seres humanos: acesso ao trabalho”.

Perguntado sobre o que se deveria fazer para reduzir o despejo dos imigrantes, que são os mais afetados por esta ação jurídica de retirada de suas casas por falta de pagamento, o advogado respondeu que é um problema geral. Atualmente, “há 450 mil famílias pendentes do início de processos, e cujas moradias já foram leiloadas, compradas pelas instituições que detém as hipotecas”. Desse total, explica que 25% são estrangeiros ou descendentes que obtiveram a nacionalidade espanhola.

Fajardo explicou que o que for feito com relação à situação dos imigrantes neste caso, será por “se tratar de um coletivo mais reivindicativo, que se associa e luta por seus direitos. Já as famílias espanholas afetadas por não conseguirem pagar as hipotecas, têm vergonha de aparecer na mídia, de se mobilizar e reivindicar”. “Isso acontece por não terem formas organizadas de luta: são desarmados socialmente e os sindicatos estão muito empenhados em defender suas parcelas domésticas de suas paróquias empresariais para assumir lideranças sociais além de suas relações com as empresas”, acrescentou.

Os juízes não costumam considerar a realidade social ao darem suas sentenças. Um exemplo do ocorrido com a organização não governamental Paz Agora, que foi despejada do pequeno apartamento alugado onde tinha sua sede em Madri, por dívidas com aluguel, água, luz e calefação desde dezembro de 2010, conta que com juros e mora chegou a 15 mil euros (US$ 20 mil). A falta de dinheiro para esse pagamento ocorre porque o governo reduziu os fundos de comunidades autônomas, várias das quais colaboravam e que este ano não puderam fazê-lo por esse motivo, disseram à IPS fontes de Paz Agora.

Diante disso, o deputado Mauricio Valente, da coalizão Esquerda Unida, disse que “nos momentos de crise a cooperação é ainda mais necessária e os que sofrem com ela não são as organizações não governamentais, mas as pessoas que recebem sua ajuda”.

Com este contexto global, em toda a Espanha, acontecem manifestações convocadas pela Plataforma de Afetados pelas Hipotecas, apoiadas por outros grupos da sociedade civil, reclamando o fim dos despejos e que a moradia deixe de ser um negócio para ser um serviço público. Nessas mobilizações se ouve canções como a que diz: “Um banqueiro se equilibrava sobre a bolha imobiliária e como não caía foi chamar outro banqueiro/dois banqueiros se equilibravam em uma bolha imobiliária e como não caíam…”. Envolverde/IPS