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Oposição sob o guarda-chuva de um conselho nacional

Nova York, Estados Unidos, 14/10/2011 – A heterogênea oposição que há sete meses se levantou contra o regime da Síria, encabeçado pelo presidente Bashar al-Assad, conseguiu se agrupar sob o guarda-chuva do Conselho Nacional Sírio (CNS), no começo deste mês. O grupo se reuniu no dia 2 em Istambul, na Turquia, onde fez o anúncio formal de sua criação, explicou sua estrutura e objetivos, e divulgou uma declaração. Destacadas figuras internacionais aplaudiram o fato, embora o governo sírio tenha ameaçado adotar “duras medidas” contra os países que o reconhecerem. O chanceler francês, Alain Juppé, declarou, no dia 10, que a França pretende estabelecer relações com o CNS, enquanto a União Europeia qualificou o fato como “um passo positivo”.

O mal-estar popular na Síria começou em março deste ano com cobranças de reformas e críticas contra a corrupção no governo, que respondeu com promessas não cumpridas, o que exacerbou os protestos. As autoridades optaram por reprimir com tanques e balas, deixando quase três mil mortos, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). O núcleo do CNS foi anunciado em meados de setembro, após negociações entre vários partidos políticos. O Conselho, com uma assembleia geral de 230 membros, comitê executivo de 29 e um comitê presidencial de sete membros, representa um amplo espectro político, da esquerda à Irmandade Muçulmana. Entre os membros do comitê executivo há quatro curdos, um assírio e vários cristãos, drusos e alauitas.

A preocupação imediata do CNS é “ter uma entidade sólida e bem fundamentada”, disse um dos membros, Ausama Monajed, à IPS. Até consolidar sua liderança e estrutura, a organização se reunirá com governantes estrangeiros. Sua ideia é “formar um órgão nacional que represente a revolução síria, expresse seus objetivos de terminar com o regime, consiga um caminho democrático e construa um Estado civil moderno”, diz o documento divulgado em Istambul. A organização se considera um “guarda-chuva político da revolução no cenário internacional”, que pretende “divulgar a mensagem do povo no âmbito diplomático, inspirado em iniciativas anteriores e tentativas de unificar diferentes grupos de oposição”, acrescenta a declaração. Também reconhece sutilmente as dificuldades que existiram para reunir a oposição.

“É um acordo que inclui os comitês e toda a oposição”, disse à IPS o ativista conhecido pelo pseudônimo de Alexander Page, que morou em Damasco até o começo deste mês, quando precisou fugir após ver comprometida sua verdadeira identidade. Trabalhou na CNN e no Hunffington Post, entre outros meios de comunicação. Na atual conjuntura não se poderia ter formado um conselho opositor melhor, afirmou Page, afirmando que o CNS conseguiu concentrar notável apoio popular e que mantém contato com vários grupos revolucionários da Síria.

O Conselho rechaçou de forma explícita a intervenção estrangeira, “que enfraquece a soberania do povo sírio”, afirmou o especialista político franco-sírio Burhan Ghalioun, presidente do CNS. Vários motivos alimentam os sentimentos contra uma intervenção internacional, assunto muito sensível pela propaganda interna do regime e pela sombra da participação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia. O governo sírio afirma desde março que grupos armados lançam ataques contra o país, com as forças de segurança respondendo e sufocando os supostos ataques.

O regime sírio utilizará a carta da intervenção internacional para sustentar seu fundamento de que governos estrangeiros atentam contra a soberania da Síria. Seria prejudicial dar a oportunidade de legitimar seu argumento. Muitos se preocupam com a possibilidade de que, havendo uma intervenção estrangeira, ocorra o mesmo que na Líbia com a Otan. No máximo, o CNS pedirá uma área de exclusão aérea ou uma área de contenção, explicou Page. O CNS buscará medidas para garantir a proteção da população civil, como uma resolução do Conselho de Segurança da ONU dispondo que observadores ajudem a acabar com a violência, informou Monajed.

A comunidade internacional deve “proteger os civis por todos os meios legais previstos na carta da ONU e nas convenções internacionais”, disse Hozan Ibrahimn, porta-voz da rede de Comitês de Coordenação Local da Síria e integrante do CNS. O Conselho de Segurança da ONU, por sua vez, foi criticado por não buscar uma voz única condenando a violência, a morte de civis, as detenções arbitrárias e a tortura. Além disso, o duplo veto de China e Rússia, no dia 4, barrou uma resolução condenando as autoridades sírias, bem como as “sistemáticas e contínuas violações de direitos humanos”, exortando por um “processo político inclusivo”, sem violência nem intimidações.

Além dos vetos de Rússia e China, Brasil, Índia, Líbano e África do Sul se abstiveram, o que indica uma duvidosa solidariedade internacional para lidar com a situação na Síria. A Rússia tem fortes vínculos empresariais com a Síria. O maior exportador de armas russo, a Rosoboronexport, continuará vendendo armas à Síria, informou a agência Reuters em agosto deste ano. A União Europeia e os Estados Unidos já impuseram sanções à Síria, e a Turquia anunciou que fará o mesmo.“Infelizmente, a Rússia só espera o preço correto para vender”, lamentou Monajed à IPS. Para Moscou, a Síria é uma questão de dinheiro, interesse regional e influência, acrescentou. O CNS espera que o Ocidente possa pressionar ou chegar a um acordo com a Rússia para que uma resolução do Conselho de Segurança permita que observadores das Nações Unidas ajudem a evitar mortes de civis e obrigue o regime a responder por seus atos, ressaltou Monajed. Envolverde/IPS