Lisboa, Portugal, 18/10/2011 – A problemática econômica e financeira que afeta Portugal leva muitas mulheres ao desespero, obrigando-as a um último e extremo recurso para sustentar suas famílias, como é o caso da prostituição. Optar por vender o corpo não é uma decisão que possa ser tomada com espírito leve. Contudo, para muitas mães, a alternativa é condenar seus filhos à fome, e por isso “há cada vez mais mulheres com idade entre 30 e 40 anos, vítimas da crise, que recorrem à prostituição”, afirma Inês Fontinha, diretora da Associação O Ninho.
Fontinha, que dedicou os últimos 40 anos de sua vida a apoiar as prostitutas, afirmou que nunca antes houve uma situação tão grave no país. Acrescentou que a este drama se une o do medo, natural em pessoas inexperientes nessa atividade, muitas delas divorciadas ou mesmo casadas, que praticam a atividade escondidas do marido. “Há alguns dias, uma delas me disse: quando batem na porta do meu apartamento, tremo em pensar que pode ser alguém que conheço e, nesse caso, o que posso fazer?”.
Além disso, entre estas inexperientes mulheres existe o temor diário de serem vítimas das redes de tráfico de mulheres, muitas vezes controladas pelas “máfias do Leste”, que, em comparação com eles, os “chulos” (proxenetas) locais são quase inofensivos. Na Europa em geral, estas redes são principalmente de kosovares, albaneses, russos, ucranianos e romenos, que para combater “a competição” utilizam métodos brutais, tais como marcar as mulheres com navalha e até assassinar ostensivamente seus “protetores” para dar uma clara mensagem e marcar o terreno.
Até 2010, segundo organizações não governamentais portuguesas, havia em todo o país 28 mil prostitutas. Metade delas portuguesas e metade dividida principalmente entre brasileiras, romenas, búlgaras e nigerianas, normalmente vítimas das máfias de tráfico humano. Em declarações à rádio TSF de Lisboa e ao canal de televisão privado SIC, Fontinha afirmou que, “em uma angústia permanente, a crise está levando cada vez mais mulheres, e também homens, à prostituição. Por exemplo, em Coimbra, 190 quilômetros ao norte de Lisboa e capital da Região Centro de Portugal, contam-se 400 novos casos este ano”.
Já a pesquisadora Alexandra Oliveira, que no dia 13 lançou o livro “Caminhar na Vida: a Prostituição de Rua e a Reação Social”, afirma em seu trabalho que essa atividade é uma opção que geralmente surge após um acontecimento traumático. Pesquisadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Oliveira dedicou sua tese de doutorado ao estudo do mundo da prostituição nessa cidade, a segunda do país, que fica 330 quilômetros ao norte de Lisboa e é capital da Região Norte.
“A prostituição deveria ser legal para ser socialmente aceita”, afirma a pesquisadora, que qualifica esta prática como “uma atividade ainda muito estigmatizada”. Para seu doutorado, Oliveira estudou a prostituição nas ruas do Porto por seis anos, recorrendo ao método etnográfico, no qual o próprio pesquisador se torna o principal instrumento de trabalho. Seus estudos indicam que a maioria das prostitutas, sobretudo as das ruas, provêm de níveis socioeconômicos baixos, com pouca escolaridade, escassa formação profissional e de meios pobres ou empobrecidos.
O vício também são uma presença frequente, com cerca de 30% de prostituas cujo propósito central é conseguir dinheiro para comprar droga. Uma realidade que, aparentemente, registrou uma clara mudança desde 2009, quando os efeitos da crise global nascida nos Estados Unidos começaram a invadir Portugal. Para combater a crise foram feitos drásticos cortes nos investimentos públicos e nos subsídios sociais, em um cenário econômico que se mostra pouco promissor em uma economia anêmica.
O plano de consolidação do orçamento fiscal inclui a maior redução de gasto público dos últimos 50 anos, cujo custo social é o aumento do desemprego e o regresso da pobreza, uma situação desterrada após a queda da ditadura corporativista (1926-1974) do chamado O Estado Novo. O que leva uma mulher a exercer a prostituição?, foi a pergunta feita pela IPS a duas mulheres que a crise obrigou a estrear nesta atividade. Pamela e Xana (nomes de trabalho) concordam que o fazem apenas por dinheiro, mas destacam que “não é nada fácil desempenhar essa atividade”, como destaca Pamela.
“Muita gente, de forma errada, diz que as mulheres que praticam a prostituição são perversas, o fazem por prazer sexual, sem terem ideia do motivo para realizarmos essa atividade”, disse Xana, uma lisboeta divorciada de 29 anos, “com dois filhos, que preciso alimentar, vestir e educar”. Pamela também se separou do companheiro, com o qual nunca foi legalmente casada.
“De um dia para outro, desapareceu de casa e, quando uma mulher fica só com dois filhos e os gastos aumentando a cada dia, a vida cobra”, disse a mulher, que até o ano passada trabalhava na indústria têxtil. Após várias tentativas em busca de trabalho, Pamela confessa que “nada conseguiu”, em um país onde o desemprego afeta 13% da população economicamente ativa, segundo dados oficiais, e entre 17% e 18%, segundo os sindicatos. “Por isso, acabei por recorrer à prostituição”, afirmou.
Tanto os familiares de Xana quanto os de Pamela ignoram suas atividades. A maioria leva vida dupla ignorada pela família. A IPS perguntou se conheciam casos de reação de familiares de prostitutas ao saberem o que faziam. “Pelo que sei, as reações variam”, disse Xana, ex-empregada de um escritório em Lisboa. Xana contou que uma “contou aos pais o que fazia e eles ficaram furiosos e disseram que nunca aceitariam isso, mas, em outros casos, que conheço, os familiares aceitaram a ideia, porque eles também têm algum interesse e acabam se aproveitando e conseguindo algum dinheiro”.
Sobre a prática sexual, ambas asseguram que são elas que ditam as regras, definindo claramente o que aceitam e o que não aceitam. “Nossas relações são sempre com preservativos. O cliente não consegue nada oferecendo mais dinheiro para não usá-lo”, assegura Pamela. É possível ser feliz com esta vida?, perguntou a IPS ao fim da conversa. Xana respondeu por ambas, com Pamela sempre concordando. “Para quem leva uma vida sempre julgada e rejeitada, é natural que uma pessoa não se sinta bem. Se a nossa fosse uma atividade profissional vista como todas as demais, penso que nos sentiríamos melhor com o que fazemos”, acrescentou. Envolverde/IPS