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A difícil gestação de um imposto

Cannes, França, 7/11/2011 – Enquanto o resgate econômico da Grécia dominava o debate na reunião de cúpula do Grupo dos 20 países ricos e emergentes (G-20) realizada nesta cidade francesa, o proposto Imposto sobre Transações Financeiras recebia escassa atenção. Chamado por alguns economistas e ativistas de “Imposto Robin Hood”, esta cobrança tem um apoio marginal, mas sustentado entre os pesos-pesados do G-20.

Já em fevereiro, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, incentivou o cofundador da empresa Microsoft, Bill Gates, a preparar um informe sobre o enorme potencial desse imposto para impulsionar o desenvolvimento em países pobres, particularmente depois que a crise de 2008-2009 fez muitas nações doadoras reduzirem sua ajuda oficial ao desenvolvimento no Sul.

Uma “nota técnica” do informe, divulgada em setembro durante as reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, dizia que se o G-20, ou mesmo a União Europeia, adotasse um Imposto sobre Transações Financeiras seria possível gerar “recursos substanciais”.

Segundo a nota, “alguns modelos sugerem que mesmo um pequeno imposto de dez pontos básicos sobre as ações e dois pontos básicos sobre os bônus renderiam cerca de US$ 48 bilhões” considerando todo o G-20, “ou US$ 9 bilhões apenas com as maiores economias europeias. Algumas propostas de Imposto sobre Transações Financeiras apresentam estimativas substancialmente maiores, entre US$ 100 bilhões e US$ 250 bilhões, especialmente se forem incluídos os derivados”.

Entretanto, os temores sobre potenciais ondas expansivas da instabilidade generalizada na zona do euro fizeram com que nos últimos dias a criação do novo tributo tivesse muito menos prioridade na agenda do G-20. Diversos especialistas temiam que se a UE continuasse caindo, os impactos mundiais, especialmente nos países em desenvolvimento, seriam severos.

A atual arquitetura econômica mundial significa que toda crise regional apresenta graves ameaças para outras partes interdependentes do mundo, disse à IPS Alan S. Alexandroff, diretor do Projeto Digital 20, na canadense Universidade de Toronto. “Como o principal mercado das exportações chinesas é a Europa, para os chineses será um problema muito sério não poderem exportar devido à crise na economia europeia”, disse Alexandroff, acrescentando que Brasil e Índia também são vulneráveis às ondas expansivas emitidas pela zona do euro.

Samuel A. Worthington, presidente da rede InterAction, afirmou à IPS que “a crise grega, a mais ampla crise do euro, bem como a crise fiscal dos Estados Unidos, têm efeito negativo direto sobre o mundo em desenvolvimento”. E acrescentou que “isto faz com que diminuam as remessas, bem como os investimentos bancários em todo o mundo, particularmente nos bancos europeus na África, e reduz as perspectivas gerais de crescimento mundial”.

O esperado informe de Gates, intitulado “Inovação com impacto: Financiamento do desenvolvimento do século 21”, divulgado no dia 3, lança luz sobre métodos alternativos de impulsionar a ajuda oficial ao desenvolvimento, mesmo sob pressões econômicas, mediante inovadores programas de finanças para o desenvolvimento. Incluindo uma ampla gama de temas, o documento destaca que “a ajuda bem desenhada reduz imediatamente a pobreza e acelera o progresso dos países pobres rumo ao momento em que já não mais necessitarão dessa assistência”.

O informe também detalha a proposta de um imposto sobre o cigarro, ideia defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e sugere taxar combustíveis utilizados por aviões e navios, o que cumpriria com o duplo propósito de abordar a poluição ambiental e a excessiva exploração dos recursos naturais, além de gerar ganhos substanciais.

Finalmente, o documento chama os governos do G-20 a se comprometerem com o Imposto sobre Transações Financeiras. Segundo o estudo, mesmo que este tributo fosse de 0,001%, mobilizaria milhares de milhões de dólares para os países em desenvolvimento. Várias organizações não governamentais deram as boas-vindas ao apoio de Gates a estes assuntos.

“O entusiasmo de Gates por um Imposto sobre Transações Financeiras e um tributo aos transportes marítimo e aéreo deveria incentivar os campeões, como Brasil, França e Alemanha a convencerem os céticos, como Canadá, Grã-Bretanha e Estados Unidos”, declarou, no dia 3, em um comunicado, o porta-voz da Oxfam perante o G-20, Luc Lamprière. Contudo, como disse Worthington, “lamentavelmente, a tendência parece ir na direção oposta”.

Embora alguns países do G-20 já tenham implementado suas próprias versões de um Imposto sobre Transações Financeiras no âmbito nacional (especificamente Coreia do Sul, África do Sul e Brasil), nações influentes como a França buscam um acordo coletivo sobre o assunto. Worthington acredita que “Paris teme agir isoladamente” por medo de colocar em risco seus mercados. Sarkozy encerrou no dia 4 a reunião do G-20 com o anúncio de que dez de 20 países apoiam a implementação do Imposto, embora não tenha implementado nenhum plano de ação concreto.

Estados Unidos e Grã-Bretanha se negaram a fazer acordos pelo Imposto sobre Transações Financeiras, mas foram convencidos a mencioná-lo no comunicado final. Trata-se de um significativo passo adiante, segundo Khalil Elouardighi, firme defensor do tributo por intermédio da Coalizão Plus.

No dia 30 de outubro, o Leading Group on Innovative Financing and Development divulgou um projeto de tratado sobre o novo tributo. A organização pretende se reunir no dia 29 de dezembro em Madri. Muitos esperam que nessa ocasião os líderes cumpram sua palavra e assinem um acordo concreto nesse sentido. Envolverde/IPS