Cidade do Cabo, África do Sul, 8/11/2011 – Os governantes da África têm um ambicioso plano para criar uma área de livre comércio, incluindo 26 países e mais de 600 milhões de pessoas. Contudo, especialistas temem que seja um castelo de areia. Analistas alertam que o projeto viria acompanhado de uma série de obstáculos legais, administrativos e políticos.
“O acordo de livre comércio é uma tarefa incrivelmente complexa de todos os ângulos”, alertou Liepollo Pheko, especialista em comércio internacional e diretora-gerente da consultoria econômica Four Rivers, em Johannesburgo. A economista conversou com o ministro de Comércio e Indústria da África do Sul, Rob Davies, um dos principais defensores do acordo, durante um debate público realizado no dia 3, no instituto Centre for the Book, na Cidade do Cabo.
No começo deste ano, os governantes africanos anunciaram planos para um tratado de livre comércio (TLC) no valor de US$ 1 trilhão, que incluiria todos os blocos econômicos existentes: Mercado Comum para a África Oriental e Austral (Comesa), Comunidade da África Oriental (EAC), Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O TLC, que representaria um produto interno bruto total de US$ 650 bilhões, permitiria a circulação de bens livres de impostos e cotas para 2014, liberalizaria o movimento de pessoas e serviços até 2016 e terminaria com a criação de uma ampla união monetária em 2025. Partidários do plano, como Davies, esperam que o acordo aumente drasticamente o comércio intrarregional e chegue a um PIB de US$ 1,5 trilhão até 2015.
“O TLC nos levará a um novo caminho de crescimento que seja significativo em termos de criação de empregos e desenvolvimento industrial”, disse o ministro. Além disso, afirmou que a produção dentro da área cresceria 50% nos próximos cinco anos, com expansão econômica anual média de 5,5%. “O PIB por habitante da África aumentará 30%”, segundo Davies.
Porém, especialistas em comércio, como Pheko, são menos otimistas. Uma grande preocupação é como os países poderão enfrentar a enxurrada de documentos associada ao intercâmbio regional, já que o TLC não teria um lugar físico para realizar a administração, afirmou. Ela também alerta para problemas legais, considerando que já existem vários blocos comerciais regionais, todos com regulações diferentes e em distintas fases de integração.
“Esses blocos só poderiam reduzir a marcha da construção de uma área de livre comércio (continental). Todos eles lutam para aproveitar os acordos já existentes de menor escala”, acrescentou a especialista. Outro problema será como integrar os países com conflitos políticos, como Líbia, Somália, Sudão e Zimbábue. “Ainda é preciso ver se poderemos negociar as assimetrias econômicas no continente”, alertou.
Também há algumas óbvias vantagens para uma área de livre comércio africana. Muitas economias do continente são tão pequenas que não são viáveis por si só. A renda de países como Malawi, Moçambique e Lesoto constituem menos de 4% do total da SADC, por exemplo. Unificar os mercados regionais poderia ajudar a gerar novas oportunidades de crescimento. “Em escala regional, teríamos um empurrão considerável”, disse Davies.
Outra dúvida é se as potências do continente, como Quênia, República Democrática do Congo e África do Sul, estariam dispostas a priorizar os interesses regionais acima dos nacionais. “Todos os elefantes na sala têm tendências hegemônicas”, afirmou Pheko, lembrando que ao tentarem dominar as negociações comerciais para beneficiar seus próprios interesses nacionais, negando-se a pagar os custos da integração, as desigualdades econômicas se agravarão. Não tratar essas assimetrias poderia causar “grandes tensões ou mesmo instabilidade econômica e social”, advertiu.
Davies reconheceu que ainda há um longo caminho para integrar as economias regionais. “Necessitamos de um acordo sensível que não force os países a tomarem medidas pouco reais”, ponderou, reconhecendo que haveria “duras negociações sobre temas de desenvolvimento industrial”.
O ministro também reconheceu vários desafios que a área de livre comércio enfrentaria, como falta de infraestrutura, barreiras não alfandegárias e carência de uma institucionalidade para administrar o comércio. Durante muito tempo, investidores estrangeiros foram dissuadidos devido à infraestrutura pouco satisfatória do continente.
“Um dos maiores impedimentos para o comércio regional é o transporte. É, em geral, mais barato comprar produtos no Brasil ou na China do que transportá-los dentro do continente”, disse Joanmariae Fubbs, a presidente do comitê de comércio e indústria do partido do Congresso Nacional Africano, no governo na África do Sul.
Davies disse que o TLC atenderia esses temores. Afirmou que se expandiria o corredor norte-sul, que une a África central, através de Zâmbia, com o porto sul-africano de Durban, e desenvolveria o corredor que atravessa RDC, Angola, Namíbia e África do Sul. No entanto, construir estradas, pontes, ampliar portos, redes ferroviárias e usinas e estações elétricas são projetos muito caros que consumirão muito tempo. E ainda falta ver se as 26 nações africanas terão suficiente vontade política para impulsionar as negociações. Envolverde/IPS