Na sexta-feira, 2 de dezembro, força-tarefa formada por cerca de 30 funcionários da Prefeitura de São Paulo, policiais militares, guardas-civis e conselheiros tutelares fechou as saídas de dois parques do Itaim Paulista, extremo leste da capital, atrás de alunos que matavam aulas. Os locais foram bloqueados por cerca de uma hora, até que as crianças, adolescentes e jovens fossem abordados, revistados e tivessem seus dados anotados.
Nos dois locais, mais de 120 pessoas entre nove e 28 anos foram abordadas e enfileiradas com mãos para trás. Algumas conseguiram fugir. Como resultado, 23 meninas e quatro meninos foram colocados em carros, levados para as escolas onde estudam e entregues à direção para que os pais fossem chamados. Outros 25 meninos foram liberados, por alegada “falta de espaço nos carros”. Dois jovens, um menor de idade e outro maior, foram levados à delegacia, supostamente por porte de maconha.
A ação contou com a articulação da subprefeitura do Itaim Paulista. Esta subprefeitura, assim como a grande maioria delas na cidade hoje, é comandada por uma dupla de coronéis. Além de serem entregues a coronéis, na atual gestão municipal, as subprefeituras tiveram seus orçamentos drasticamente reduzidos e foram esvaziadas de qualquer função ligada à descentralização do poder das Secretarias, reduzindo sua atuação a “manter a ordem” de ruas e praças, podando árvores, mantendo o asfalto e também reprimindo moradores de rua, consumidores de drogas e “cabuladores de aula”.
Na Sé, já há mais de um ano, polêmica proposta de intervenção junto às crianças e adolescentes frequentadores da chamada cracolândia envolve policiais, assistentes sociais e equipamentos de saúde em um processo que, se começou com boas intenções de integração de serviços para tratar de um problema complexo, logo se deteriorou para uma ação puramente repressiva a fim de garantir internações compulsórias.
Foi esta visão militar em relação à evasão escolar e à ordem nas praças que predominou na infeliz ação no Itaim Paulista, levando também os conselheiros tutelares a uma participação degradante. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho deve atender as crianças e adolescentes em situação de risco, aconselhando-os e a seus pais, requisitando serviços públicos, representando-os junto às autoridades judiciárias.
No entanto, assim como na atual gestão as subprefeituras foram esvaziadas e militarizadas, os conselhos tutelares também foram mantidos com suas funções esvaziadas, atuando de forma fragmentada em relação aos outros serviços voltados para a criança e o adolescente e, principalmente, desconectados em relação às comunidades que os elegem e às quais eles devem atender.
Por fim, falta falar do terceiro serviço público envolvido nesta história: a escola. Esvaziada de sua função social, desprestigiada por estudantes, educadores, pais e mídia, tornou-se um lugar para o qual as crianças e adolescentes não querem ir. As taxas de evasão aumentam à medida que os estudantes se tornam mais velhos, denunciando que, assim que os jovens adquirem autonomia para circular pela cidade, escolhem abandonar um espaço que não lhes escuta, acolhe ou estimula.
O que fazer em tal situação? É claro que o abandono das crianças nas praças não é a solução. Mas, também é evidente que intervenções repressivas e pontuais em nada vão ajudar. As escolas, agora ainda mais assemelhadas às prisões, ficarão menos atraentes aos estudantes. Os pais permanecerão sem referenciais claros de como orientar seus filhos. Logo, logo, os meninos descobrirão novos jeitos de fugir dali e, com os serviços públicos desarticulados, voltarão à situação de vulnerabilidade.
A real transformação desta situação depende da reinvenção da escola e da integração desta com a rede local – famílias, conselhos tutelares, varas da infância, postos de saúde, lideranças comunitárias, equipamentos de cultura e esportes e até a subprefeitura – todos, enfim, trabalhando juntos em torno de um projeto efetivamente voltado para educação das novas gerações. Fácil não é, mas se a polícia fosse capaz de resolver os problemas sociais, nossas cidades não estariam na situação em que estão.
* Helena Singer é socióloga com pós-doutorado em Educação e diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.