Santiago, Chile, 23/1/2012 – “É um fato gravíssimo, uma catástrofe ambiental em toda sua magnitude”, resumiu para a IPS a ecologista Sara Larraín o impacto do incêndio que desde 27 de dezembro dizima o Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena. As chamas, em cumplicidade com fortes ventos, tomaram conta de um setor de difícil acesso e afetaram uma área superior a 16 mil hectares de vegetação, que autoridades do setor informaram à IPS que demorarão cerca de 80 anos para se recuperarem.
Até o momento, há apenas um suspeito de ter causado este desastre ambiental, o turista israelense Rotem Singer, que durante os 90 dias que pode durar o processo está proibido de deixar o país e deve apresentar-se periodicamente à promotoria.
Atualmente a área está com alerta amarelo, após o alerta vermelho de incêndio florestal decretado no final de dezembro pelo Escritório Nacional de Emergências (Onemi), a pedido da Corporação Nacional Florestal (Conaf). Pelo menos 200 pessoas trabalham no terreno afetado, entre brigadistas da Conaf, Forças Armadas e policiais. Também há colaboração de brigadistas de Brasil, Argentina e Uruguai.
O Parque Nacional Torres del Paine compreende cerca de 200 mil hectares e é uma das principais riquezas naturais e turísticas do Chile. Fica na província de Última Esperança da XII Região de Magalhães, entre o maciço da Cordilheira dos Andes e a estepe patagônica. Trata-se de uma região localizada mais de três mil quilômetros ao sul da capital chilena, que em 1978 foi declarada Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O último informe oficial indica que a vegetação afetada inclui floresta nativa de lenga (Nothofagus pumilio) e ñirre (Nothofagus antarctica), matagal e estepe. Também foram prejudicadas instalações da Conaf e de concessionários turísticos. O incêndio teria sido causado pelo descuido de turistas, que começaram o fogo em um setor de montanha chamado Olguín, perto da geleira Grey. Daí se propagou para o sul pela margem do Lago Grey até o maciço Paine, onde se abriu em dois braços que se projetaram independentemente.
Há setores em que as chamas são reativadas pelas condições do vento, que ali pode passar dos cem quilômetros por hora, o que alerta para possíveis novos focos ativos e faz temer que o incêndio não esteja completamente dominado enquanto não terminar o verão austral, no final de março. Em entrevista à IPS, o gerente de Áreas Protegidas da Conaf, Eduardo Katz, disse que, dos mais de 16 mil hectares afetados, há lugares com “perda total da floresta. Contudo, há uma boa quantidade de hectares com perda parcial e é preciso ver como reagem as plantas diante do fogo”, o que dependerá da quantidade de água disponível, da chuva e da temperatura.
Os primeiros sinais positivos vieram das últimas chuvas, com uma frequência pelo menos semanal, na segunda e terceira semanas deste mês. “Com as últimas chuvas, nasce uma importante quantidade de pasto, e isto nos ajuda bastante no controle da erosão. Por outro lado, também permite a alimentação dos herbívoros”, ponderou Katz. O Parque Torres del Paine tem uma população de flora e fauna de aproximadamente 300 espécies de plantas, 126 de aves e mais de 30 mamíferos, répteis, anfíbios e peixes, que vivem entre vegetação, lagos, geleiras, Oceano Pacífico e rochas formadas há 150 milhões de anos.
A esse respeito, Katz declarou que, “felizmente, as duas populações de mamíferos de grande tamanho, os camelídeos guanacos (Lama guanicoe) e os cervos andinos (Hippocamelus bisulcus), não vivem nas zonas do incêndio mas nas vizinhas”, e se observou que conseguiram fugir do fogo. “Não encontramos evidência de mortes de animais pelo fogo”, afirmou.
Outra preocupação é quanto tempo vai demorar para o ecossistema se recuperar. “A recuperação na Patagônia, em Torres del Paine, ocorre relativamente lenta”, reconheceu o gerente da Conaf. O último precedente, outro incêndio em 2005 no parque, mostrou que a recuperação das pastagens do ecossistema é relativamente rápida e se espera que produza antes de um ano. Contudo, a floresta nativa afetada tem piores expectativas. Para as espécies de lenga e ñirre, Katz prevê que “uma recuperação total pode demorar pelo menos 80 anos”. Acrescentou que esta recuperação será apoiada por um programa de restauração ecológica de plantação e sua proteção de herbívoros e ventos.
A Conaf conta com algumas ferramentas de prevenção, ação frente às emergências e recuperação, informou Katz. Porém, considerou que a melhor arma contra estes desastres é o compromisso dos visitantes em favor do habitat. Recordou que os dois incêndios no parque foram causados pelas pessoas. “São descuidos humanos, porque não acampam nos lugares adequados, não usam o fogo de forma correta. Se o fizessem do jeito certo não haveria riscos”, alertou.
No entanto, a diretora do não governamental Programa Chile Sustentável e ex-candidata presidencial, Sara Larraín, questionou a ação do Estado na proteção de uma zona tão importante para o país e a humanidade. “O Estado dedica pouco menos de mil pesos (US$ 2) por hectare protegido para cuidados durante todo o ano”, disse Larraín. “A verdade é que não há capacidade de comunicações nem capacidade humana para proteger estas áreas”, acrescentou.
Para Larraín, “o incêndio em Torres del Paine mostra que não aprendemos nada desde o anterior”, também causado por um turista que violou as normas. Desde 2005, não houve mudanças na lei ou na política pública para “prevenir este tipo de situação”. A ambientalista adverte que “isto mostra a nula vontade política dos governos do Chile, independente de partido político, de proteger o patrimônio ambiental”.
“Hoje, o que temos é nenhum texto, nenhum avanço, não temos um contexto legal que salvaguarde as áreas protegidas”, denunciou Larraín. “As sanções dentro da lei de floresta nativa são da década de 1930 e não são equivalentes aos danos gerados”, explicou. Após o incêndio, o direitista presidente Sebastián Piñera anunciou a preparação de uma nova lei de florestas para criar uma nova institucionalidade e aumentar as sanções sobre os responsáveis por causar os incêndios, que, segundo a legislação vigente, de 1931, não passa dos 61 dias de prisão.
Além disso, se proporia a criação de um plano nacional de proteção de incêndios, uma nova instituição responsável pela tarefa e um fundo destinado a enfrentar estas emergências. Entretanto, diversas organizações ambientalistas se mostram desconfiadas diante dos anúncios de Piñera, sobretudo se continuar apenas com discursos sem detalhar “quais serão as destinações orçamentárias”. Envolverde/IPS