Depoimento do economista e sociólogo Ricardo Abramovay ao jornalista Dal Marcondes, da Envolverde
A primeira constatação é que a bioeconomia está totalmente concentrada ou em culturas plantadas, como cana de açúcar, milho, árvores. As florestas tropicais estão ausentes da literatura científica e das conquistas tecnológicas recentes da pesquisa em bioeconomia. A contribuição das florestas tropicais para a bioeconomia é irrisória. Há exemplos pontuais, como o Assai, que tem uma relação com o desenvolvimento comunitária. Há outros produtos tradicionais, mas sem expressão econômica importante, como a castanha e a borracha. Mesmo a exploração madeireira, que é um setor estagnado, pela criminalidade ou por plantações que oferecem melhor custo benefício em outras regiões.
A era da bioeconomia não vai se instalar na
Amazônia por causa da existência da
biodiversidade.
Há muitos obstáculos ao desenvolvimento de uma forte e dinâmica economia da
sociobiodiversidade. O Brasil desde os anos 1980 vem sofrendo um processo de esindustrialização que faz com que fiquemos sistematicamente na retaguarda da
inovação científica e tecnológica. A economia da sociobiodiversidade florestal poderia ser um caminho para que o país se inserir na vanguarda da fronteira científica e tecnológica da economia global.
A era da bioeconomia não vai se instalar na Amazônia por causa da existência da biodiversidade. A biodiversidade é uma condição necessária, mas nem de longe é uma condição suficiente. A questão que tem de ser colocada é que o mundo está sofrendo um processo de erosão genética nas culturas plantadas e na produção animal profundamente ameaçador para a segurança alimentar e nutricional da humanidade. Temos a alimentação humana concentrada em poucos produtos e, em princípio, as florestas tropicais são um manancial de biodiversidade que poderia contrabalançar essa perda de variedades.
A alimentação humana está concentrada em
poucos produtos e as florestas tropicais são
um manancial de biodiversidade.
Isso se aplica não apenas a produtos de altíssima tecnologia, como farmacêuticos e fitoterápicos, que estão em declínio nos catálogos sobre produtos da Amazônia. Mas em outras áreas, como a produção de peixes em cativeiro. O Estado do Amazonas importa 40% do pescado que consome porque a produção em cativeiro de peixes de água doce é mais fácil e barata do que a produção de peixes de água salgada, como o salmão. Só que não faz o menor sentido alimentar os peixes em cativeiro com milho trazido de Santa Catarina quando eles podem ser alimentados com produtos da floresta.
Uma coisa é falarmos dos potenciais e das necessidades de como a biodiversidade pode ser importante para os povos que vivem na Amazônia e para a humanidade, mas a distância que estamos disso ainda é gigantesca.
Um dos principais obstáculos para o protagonismo brasileiro é que as elites do país sempre tiveram sobre a Amazônia a visão de que a floresta e os povos indígenas são obstáculos ao desenvolvimento. O atual governo retomou a doutrina do período militar, de que a Amazônia é “uma terra sem homens para homens sem terra”, e isso representa basicamente a ocupação desordenada e ilegal. Também estão retomando a doutrina de segurança nacional, que fala em ocupação do território o mais rapidamente possível.
Isso tem levado ao aumento da ocupação ilegal, com queimadas e invasões de territórios indígenas e áreas demarcadas para a preservação, como florestas nacionais e outras formas de demarcação. Essa realidade do atual governo acabou com décadas de redução do desmatamento e das queimadas. O Brasil foi visto, por algum tempo, como o país de maior contribuição para a redução da emissão de gases que causam as mudanças climáticas. Isso mudou radicalmente.
O Brasil foi visto, por algum tempo, como o
país de maior contribuição para a redução da
emissão de gases que causam as mudanças
climáticas.
Mesmo durante o período de redução do desmatamento não houve por parte dos governos um investimento concreto no aproveitamento sustentável da biodiversidade das florestas tropicais no país. O que aconteceu nessa segunda década do milênio é que a falta de um projeto estratégico para a Amazônia, junto com o avanço das práticas criminosas, fez com que a região se tornasse um território da criminalidade pesada, ligada a drogas e ao tráfico internacional. Isso é um obstáculo a qualquer economia que se apoie em práticas construtivas, cujo ponto de partida só pode ser a legalidade.
O uso sustentável da biodiversidade e dos biomas brasileiros através dos potenciais de cada região, como a energia solar em insumos da caatinga é um caminho a ser percorrido.
A novidade que existe hoje é que a apologia ao atraso do atual governo causou uma reação dos principais atores globais, com ameaça de interrupção de fluxos financeiros para o Brasil.
O que não acredito é que a grande liquidez global representa uma oportunidade de Investimentos em biodiversidade sem que haja uma mediação competente e com projetos bem estruturados. Há, no entanto, um ativismo na Amazônia contemporânea que tem uma forte vertente de fortalecimento do empreendedorismo na região.
Pesquisa recente da Conexus levantou mais de mil iniciativas de associativismo no Brasil e mais de 400 delas na Amazônia. Na maioria dos casos essas associações não tem racionalidade econômica e uma incapacidade de inovação. A ação das organizações sociais leva a uma reestruturação dessas atividades de forma a profissionalizar as iniciativas e torna-las mais eficientes e produtivas, inclusive através da tecnologia de aplicativos. Mas ainda se pode contar nos dedos essas iniciativas.
Pesquisa recente levantou mais de mil
iniciativas de associativismo no Brasil e mais
de 400 delas na Amazônia.
O essencial quando se fala em investir na Amazônia é investir a partir de mediadores existentes. A quantidade de Pronaf que vai para produtos da sociobiodiversidade é minúscula. Por outro lado, temos o ambiente internacional propício, com investidores virtualmente interessados.
O que é criar um ecossistema de inovações em um território do tamanho da Amazônia. A verdade é que ninguém sabe o que é isso. É preciso que as experiências incipientes ganhem escala. Mas o que isso significa? Temos alguns poucos produtos que vão ganhar alguma escala comercial ou vamos ter uma economia da sociobiodiversidade pulverizada.
Temos alguns poucos produtos que vão
ganhar alguma escala comercial ou vamos
ter uma economia da sociobiodiversidade
pulverizada.
O mais importante é a virada em direção a uma política pública que se volte a uma economia da sociobiodiversidade florestal, com políticas de preço mínimo, até a para a área florestal, onde os estudantes de engenharia florestal não aprendem a manejar florestas tropicais. É importante que as iniciativas sejam integradas. Academia e pesquisa precisam compreender os biomas e atuem para dar subsídios aos empreendedores.
Tem gente muito boa e séria trabalhando em opções construtivas. Academia e pesquisa precisam compreender os biomas e atuem para dar subsídios aos (empreendedores.