Quando as chuvas que caíram sobre o Rio Grande do Sul, no fim de abril e início de maio deste ano, finalmente cessaram, levou um tempo para que o resto do país compreendesse o que havia acontecido. Afinal, 446 dos 497 municípios do estado foram atingidos, 90% do total. Mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas, entre 500 mil desalojadas, quase 80 mil desabrigados e mais de 180 mortes.
Da mesma forma, é difícil compreender o que ocorreu em Valência em 29 de outubro. A DANA (Depressão Isolada em Níveis Altos, em espanhol) causou a morte de 217 pessoas e 89 estão desaparecidas, até o momento.
A quantidade de água tampouco é fácil de se entender: em 14 horas de chuva, a Agência Estatal de Meteorologia (IMNET) da Espanha registrou 771,8 litros por m². Em apenas uma hora, choveu 184,6 l/m², o recorde do país.
Significa que a água ocupou 3/4 do espaço onde já havia casas, automóveis e pessoas. E que ¼ dessa água caiu praticamente de uma vez, gerando força para empurrar o que havia pela frente. Mais claro ainda: choveu em oito horas o que deveria ter chovido em um ano na região.
Além das dimensões colossais de ambos eventos climáticos extremos, a demora nos sistemas de alerta esteve presente em ambas regiões. As mensagens de alerta sobre a DANA foram enviadas oito horas após o início das chuvas. No RS, os órgãos competentes alertaram a população no 25 de abril, mas apenas no dia 29 o alerta indicou a gravidade do que estava por vir.
No Brasil, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) considera que o desastre no RS foi o maior sinistro do país, com impacto de R$1.3 bilhão. Na Comunidade Valenciana, o Consórcio de Compensação de Seguros estima prejuízo de €3.5 bilhões em danos, como pelos 100 mil carros destruídos, que levarão dois meses para serem removidos da região.
No RS, mais de 1800 famílias (mais de 5400 pessoas) ainda vivem em abrigos provisórios, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Na Espanha, o tema é o estresse pós-traumático sobre as testemunhas do dilúvio.
A água vai baixar em Valência, assim como baixou no RS. Mas as coisas não voltarão a ser como eram, seja na previsão do tempo, na necessidade de sistemas de alerta ou na forma que devemos entender esses eventos extremos, cada vez mais regulares.