Rio de Janeiro, Brasil, 4/12/2012 – “O Canjinjin tem poderes especiais”, garante Deize Coelho de Barros. A receita deste licor, feito com uma mistura de ervas, foi herdada de seus antepassados africanos e é considerado o “viagra” em sua terra, o Estado do Mato Grosso. “Os portugueses trouxeram os negros para trabalhar, e nós continuamos com a tradição. Hoje nossa gente ainda toma esse licor nas festas, para ter energia”, afirma Deize, uma das 57 cooperativistas de um quilombo (terras habitadas por descendentes de escravos que no século 19 conseguiram fugir para a liberdade).
O licor Canjinjin é um dos muitos produtos procedentes da agricultura familiar que, embora seja a origem da maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros, é desconhecida pelos grandes centros urbanos do país. O Brasil é conhecido no mundo especialmente pelas exportações agrícolas básicas em grande escala, como soja e carnes bovinas e de outros animais, mas não por seus produtos típicos, como o Canjinjin e a cachaça e nem pela qualidade dos embutidos caseiros elaborados pelos gaúchos.
A produção de alimentos em pequena escala envolve mais de 4,3 milhões de famílias e responde por 10% do produto interno bruto do país, ao contrário do grande setor exportador agropecuário, ou agronegócio, que está concentrado em grandes extensões de terras nas mãos de poucos donos, segundo dados governamentais. “Muita gente pensa que o guaraná é produzido em grandes fazendas, como as de soja, mas não é assim, pois é plantado em propriedades de meio ou um hectare”, disse Eldes Batista, representante de um consórcio de produtores indígenas sateré-mawé, do Amazonas, que tem mais de 11 mil integrantes desta etnia.
Batista mostra à IPS mais de dez produtos extraídos da selva amazônica, como guaraná (uma semente energética), óleo de copaíba (para a garganta) e mirantã, que promete fortalecer as defesas imunológicas, estimular o apetite sexual e tonificar os músculos. “Trabalhamos com a sabedoria de nossos antepassados. Somos reconhecidos mitologicamente como os filhos do guaraná”, explica Batista, que, como Deize e outros 650 expositores, participou, de 21 a 25 de novembro, no Rio de Janeiro, da VII Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária, destinada a cosméticos, artesanatos, e alimentos, entre outros produtos.
O guaraná, “além de ser uma bebida cotidiana do nosso povo, serve para absorver mais conhecimentos”, conta Batista. Os sateré-mawé exportam guaraná para a União Europeia desde 1996. Mas agora, devido à crise global que afeta especialmente esse bloco e ao crescimento da economia brasileira, decidiram apostar no mercado interno. “Como a crise internacional enfraqueceu o mercado na Europa, diminuiu o número de pedidos e começou a sobrar mercadoria. A feira de agricultura familiar nos dá a possibilidade de expandir nosso mercado e divulgar nossos produtos no Brasil”, disse o representante indígena.
“Nos voltarmos ao mercado interno dá muito mais resultado hoje do que olhar para o exterior, que fecha as portas”, disse à IPS o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Arnoldo Campos, um dos coordenadores da feira. As autoridades calculam que foram movimentados o equivalente a US$ 7,5 milhões em negócios, três milhões a mais do que em 2009, também no Rio de Janeiro.
A feira, que acontece anualmente em diferentes regiões, permite aos seus protagonistas não só vender seus produtos como também se encontrar com representantes de lojas de produtos orgânicos, naturais, farmácias, mercados, restaurantes, hotéis e grandes redes de supermercados, para criar canais de venda sem intermediários. É que nos canais de comercialização e distribuição é onde geralmente acaba a ilusão de um bom negócio para muitas pequenas empresas. E nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, é onde está o “grande negócio”.
“Temos vários objetivos”, contou Campos. “Primeiro, que o cidadão brasileiro, especialmente o que vive nos grandes centros, compreenda a importância da agricultura familiar, e, em segundo lugar, levar o produto para o mercado e promovê-lo. Queremos que diminua a distância entre os elos da cadeia produtiva, para que oferta e demanda se aproximem mais”, afirmou. “A agricultura familiar é a principal produtora de alimentos do Brasil e a grande diversidade é um patrimônio da segurança alimentar nacional”, acrescentou.
Essa variedade de produtos originários nas diferentes regiões deste gigantesco país é o que se distingue na atividade agropecuária das pequenas propriedades. Assim se misturam castanhas do Pará, colares com frutos da Amazônia, bombons de frutas típicas como o cupuaçu, cadeiras de madeira da selva, remédios tradicionais, salames do sul e goiabadas do centro e oeste do país, entre outros produtos.
Há também artigos cosméticos e matérias-primas dos diversos biomas do Brasil. É o caso dos sabonetes artesanais feitos no litoral norte do Rio Grande do Norte, com “propriedades para eliminar manchas da pele, cicatrizar feridas, anti-inflamatórias, adstringentes e antimicóticas”, segundo disse à IPS a representante da Associação de Maricultivadoras de Macroalgas da Praia de Pitangui, Marta Asis.
Os planos de estímulo implantados por setores privados e pelo governo para a agricultura familiar se complementam com políticas como o Programa de Merenda Escolar, que adquire produtos desse setor para serem servidos aos estudantes em todos os centros de ensino estatais do país. Envolverde/IPS