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Iemenitas em luta contra a discriminação

Mulheres do Iêmen contra leis discriminatórias. Foto: Rebecca Murray/IPS

 

Saná, Iêmen, 15/1/2012 – As mulheres iemenitas desempenharam um papel crucial nos protestos contra o regime de Ali Abdullah Saleh, derrubado em 2012 após 33 anos no poder. Apesar do processo de diálogo nacional, elas continuam enfrentando um muro de leis e práticas discriminatórias e um status quo disposto a submetê-las.

“Nadia está quebrada internamente”, disse uma trabalhadora do abrigo feminino de Saná. Esta jovem de 25 anos, originária de um povoado montanhoso ao norte da capital do Iêmen, foi forçada a uma “permuta matrimonial” para salvar seu irmão do alto custo do dote. O risco da suposta solução econômica é que se um dos cônjuges quebra sua parte do acordo e se divorcia, o outro está obrigado a fazer o mesmo. Por isto, a negativa de Nadia em morar com seu novo marido teve consequências devastadoras.

Quando a mãe de Nadia descobriu que seus filhos planejavam matá-la como castigo, ambas foram expulsas de casa. A jovem começou a trabalhar como empregada de um xeque local, mas sua situação piorou quando foi vendida a um operário na Arábia Saudita. O golpe final aconteceu quando seu novo marido quis obrigá-la a se prostituir estando grávida. A jovem fugiu com sua mãe até encontrar refúgio no abrigo secreto da União de Mulheres Iemenitas, onde vivem desde então.

Esta grave discriminação de gênero não existiu sempre nos papéis. Antes da unificação do Iêmen, em 1990, as mulheres da costa sul gozavam de mais direitos do que as do norte montanhoso e conservador. Após a guerra civil de 1994, as reformas constitucionais significaram um retrocesso. “As mulheres e as meninas do Iêmen sofrem uma generalizada discriminação na legislação e na prática”, diz o informe de 2012 da Anistia Internacional, com sede em Londres.

A atual Constituição do Iêmen marca o tom para um tratamento desigual entre gêneros, chamando-as de “irmãs dos homens”. As leis de Status Pessoal, que marcam as pautas para casamento, divórcio e herança, também são retrógradas. A idade mínima de 15 anos para se casar foi eliminada em 1999. Uma década depois, parlamentares conservadores bloquearam esforços para fixá-la em 17 anos. Atualmente, não há limite, apenas é preciso o consentimento do tutor, e as relações sexuais estão permitidas a partir de quando a menina chega à puberdade.

Falta de educação e formação profissionais, complicações de saúde e violência doméstica são males que costumam estar associados com o casamento precoce. As mulheres também devem obedecer aos seus maridos em todos os assuntos, sob pena de perderem apoio econômico. Um homem pode se casar quatro vezes se notificar suas esposas e se puder mantê-las, e também pode anular um casamento por meio de uma declaração oral feita na hora.

O Código Penal do Iêmen também é muito favorável aos homens que cometem “assassinatos por honra”, como matar mulheres acusadas de manterem relações sexuais fora do casamento. Os homens que matam adúlteras recebem no máximo um ano de prisão, ou devem pagar uma multa. Segundo o Índice de Disparidade de Gênero do Fórum Econômico Mundial de 2012, a discriminação figura em último lugar segundo critérios de economia, política, educação e saúde.

Sarah Jamal Ahmad, de 24 anos, é uma ativista dinâmica que esteve à frente dos protestos em Saná no ano passado. Além disto, é uma das mulheres que lutam pela igualdade de gênero no processo de diálogo nacional, na Constituição e na legislação. Segundo Sarah, é preciso começar por fixar um sistema de cotas para o governo com candidatas formadas, que rompam o impasse em matéria de disparidade. “Cada vez que falo de cota, tenho que esclarecer que sou a favor dos 50%. Mas agora luto por 30% e quero que seja com qualidade, não apenas quantidade. Não se trata somente de números, mas de quem se trata”, destacou.

A destruída cidade portuária de Adén fica perto de um grande vulcão no Oceano Índico. Seus governantes são diferentes dos do norte do Iêmen. Foi colônia britânica até 1967 e depois fez parte da República Popular Democrática do Iêmen, apoiada pela antiga União Soviética. As mulheres das organizações femininas foram profissionais, advogadas, empresárias e dirigentes políticas cujas carreiras ficaram truncadas. “O norte ganhou a guerra, se apropriou de tudo e o governo de Saná nos disse para ficarmos em casa”, contou Khadija Alhirsi, engenheira em geologia que agora dirige a Associação Solidariedade para o Desenvolvimento.

Fatima Meresse, diretora da União de Mulheres Iemenitas de Adén concorda: “Antes da unificação foi nossa melhor época. Havia uma lei de família que nos dava direitos. Mas tudo mudou em 1994, nos tiraram a profissão e mudaram as leis. Foi um retrocesso”. Uma mulher que Meresse insiste em ajudar é Susan Shebab, de 50 anos, com rosto abatido e melancólico, que esteve casada por 30 anos e nos últimos dez apanhava de seu marido alcoólatra.

Shebab chora ao recordar o que sofreu. Uma vez foi à delegacia com o corpo e o rosto gravemente feridos, mas lhe disseram para ir embora porque seu marido havia pago propina aos oficiais. Além disso, ele a obrigou a entregar sua parte da casa e a colocou na rua. Agora ela paga aluguel para morar em um apartamento sozinha e está em um julgamento pelo divórcio e pela propriedade da casa. A União de Mulheres Iemenitas conseguiu um advogado para ela. “Parece que é um jogo, meu marido está pagando o juiz. Ameaçou nossos filhos. Mas não dizem nada porque têm medo”, denunciou Shebab.

Meresse contou outro caso semelhante, em que um homem se divorciou e tentou colocar a mulher na rua. “Reunimos 20 mulheres e homens para ajudá-la. Formamos um muro em volta dela e contamos com o apoio de um advogado. O caso está na justiça, e é único”, ressaltou. Envolverde/IPS