Novos documentos oficiais dizem 'pouco' sobre uma efetiva Política Agrária

Dois documentos públicos e oficiais – “Brasil 2022”, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República (Brasília, dezembro de 2010), e “Inclusão Social e Produtiva”, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, janeiro de 2011, texto na internet) – conseguem tratar a política agrária do futuro próximo de maneira parecida: usam apenas frases e títulos soltos, sem texto.

Na verdade o documento da SAE consegue a proeza de produzir uma seção inteira, das páginas 66 a 91, daquilo que chama de “Metas do Centenário”, sem texto para quaisquer dos enfoques que elege – Economia, Sociedade, Infraestrutura e Estado –, enquanto o documento do MDA concentra-se naquilo que seria atribuição deste Ministério. Mas ambos convergem para a linguagem anticomunicativa em relação às políticas públicas. Substituiu-se o discurso expositivo de idéias por frases desconexas, ou números-meta, supostamente autoexplicativos.

Há muito pouco que colher nos documentos e declarações oficiais, que efetivamente possa configurar uma diretriz estratégica sobre política agrária, de desenvolvimento rural ou de tratamento dos recursos naturais. Enquanto isso, a política agrícola tradicional, conduzida pelo Ministério de Agricultura com respaldo da área econômica do governo e das cadeias agroindustriais conexas, vai ocupando todos os espaços, em especial os espaços externos da inserção primário-exportadora.

Por outro lado, a grande mídia tem destacado em matéria de temas agrários duas focalizações aparentemente relevantes: 1) a discussão “interna-corporis no Incra/MDA sobre o que fazer com o Instituto; 2) a discussão da revisão do Código Florestal no Congresso, estranhamente liderada pela senadora do DEM Katia Abreu, não obstante a esmagadora maioria governista nas duas casas do Congresso.

Nessas duas focalizações, escapam da própria mídia, quanto ao “pensamento” oficial, aquilo que de essencial deveria ser tratado na reestruturação do Incra e na revisão do Código Florestal: a regulação e efetiva aplicação dos direitos da propriedade sobre a superfície territorial, tendo em vista o atendimento da função social e ambiental da terra.

Mas há um “acórdão”, aliança ou pacto, de economia política entre proprietários de terra, agroindustriais, bancada ruralista e governo, que já atravessa três governos – FHC II, Lula I e Lula II – e provavelmente Dilma, que é a verdadeira diretriz estratégica da política agrária: aprofundar a acumulação de capital no setor primário da economia com vistas à demanda externa de commodities, ficando tudo mais a reboque. Sobre as implicações sociais e econômicas deste pacto, em médio prazo, não se discute, como não se discutiu à época, por outros métodos, a modernização conservadora do regime militar.

Merece especial destaque, no documento citado do MDA, que este não cita em nenhuma de suas frases soltas, a omissão das duas missões constitucionais básicas que o Ministério deveria realizar: cumprir e fazer cumprir o princípio da função social da propriedade fundiária e realizar a reforma agrária. É que estas missões estorvam o mencionado “acórdão”.

Em síntese, caso não haja pressão exógena, mobilização social ou fato circunstancial relevante, que modifique aquilo que chamam de “correlação de forças”, não virá da iniciativa deste governo uma ação autônoma de promoção de uma política agrária distinta daquela que efetivamente se operou nos últimos 12 anos, suscetível de alterar a própria correlação de forças políticas dominantes no agronegócio.

* Guilherme Delgado é economista e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

** Publicado originalmente no site do Correio da Cidadania.