Desde que comecei a cobrir as áreas de meio ambiente e sustentabilidade tenho notado uma certa divergência entre a obrigatoriedade de se cumprir a lei em diversas áreas do cotidiano. Enquanto a maior parte da sociedade clama por mais rigor nas leis criminais, que deveriam aumentar a sensação de segurança dos cidadãos, em outras áreas o cumprimento da lei é visto por muitos como um entrave e não como uma garantia dos direitos desses mesmos cidadãos. Cumpre dizer desde já que não sou advogado e nem de longe um especialista em leis, apenas um jornalista que escreve sobre muitas coisas, em especial sobre sustentabilidade há pelo menos 15 anos. Antes disso escrevia mais sobre economia e finanças.

Os debates sobre a necessidade de se cumprir leis na área ambiental são sempre acalorados e muitas vezes tratados de forma maniqueísta. São comuns opiniões que colocam as questões da legislação ambiental como sendo um entrave à produção, principalmente de alimentos ou de bioenergia. E vejam, não estou aqui tratando de militância, mas de leis debatidas e aprovadas pelos parlamentos em seus diversos níveis. Em um artigo recente procurei destacar que a produção de arroz nas áreas de alagados do arquipélago do Marajó precisa estar amparada na Constituição do Estado do Pará, que determina que aquela região é uma APA – Área de Preservação Ambiental e uma das mais importantes área de alagados do Brasil, responsável pela reprodução de inúmeras espécies de peixes e crustáceos.

Não era um artigo nem a favor e nem contra a produção agrícola na região, mas sim um texto que levanta a inexistência de marcos legais que apoiem essa produção, principalmente por omissão do poder público. No entanto, como o texto foi escrito por um suposto ambientalista (eu recuso esse rótulo, sou apenas um jornalista), as reações foram inúmeras apontando genericamente “os ambientalistas” como entraves à produção de alimentos. O debate deveria ser focado no cumprimento de uma lei que prevê o estabelecimento da APA do Marajó e a regulamentação de atividades econômicas de impacto, pois sem isso há um risco de outros direitos da sociedade serem atropelados.

As leis ambientais brasileiras são apontadas internacionalmente como bastante avançadas em diversas áreas. Destaque seja feito para o capítulo de meio ambiente da Constituição de 1988, mas a legislação ambiental brasileira é muito anterior a isso. A Política Nacional de Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, por exemplo, foi promulgada em 1981, ainda durante o regime militar e, certamente, sem a influência de militantes ambientais. O País goza de uma excelente reputação nessa área, assim como na área de monitoramento do cumprimento dessas leis, assumindo, inclusive, posições de liderança em debates estruturantes, como as Conferências de Biodiversidade e de Clima organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). As duas mais importantes conferências sobre desenvolvimento sustentável do sistema ONU foram realizadas no Brasil, a Rio92 e a Rio+20, em uma demonstração do destaque que os temas têm no País.

No entanto, as leis ambientais são tratadas como leis de segunda categoria quando o suposto “interesse econômico” aflora. Não importa que normalmente leis ambientais sejam defesas de interesses de longo prazo da sociedade e da própria economia, e os “interesses econômicos” costumam ser de curtíssimo prazo e normalmente de grupos e não da sociedade em geral. Os números divulgados pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – mostram que o número de acidentes ambientais no Brasil vem crescendo em progressão geométrica na última década, saindo de 116 em 2006 para 751 em 2010, um dado que certamente reforça a necessidade de cumprimento da legislação ambiental em toda a sua amplitude no Brasil.

Nos últimos anos o Brasil avançou promulgando diversas leis que terão um forte impacto na estruturação da economia e dos direitos sociais nos próximos anos, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que trata da gestão de lixo em todo o País, o Plano Nacional de Saneamento Básico, com benefícios claros à saúde e ao meio ambiente, e a inovadora Política Nacional de Mudanças Climáticas, que serve como modelo não apenas para Estados e municípios, como está sendo estudada por diversos países. É importante que essas legislações e outras não citadas sejam estruturantes para as atividades econômicas e para a ação dos poderes públicos, pois delas surgirá uma economia mais adequada aos desafios oferecidos pelo futuro, onde cada vez mais pessoas dependerão dos recursos naturais e de sua capacidade de prestar serviços ambientais ao Brasil e ao planeta.

Há de se lembrar também que, normalmente, os prejuízos de acidentes ambientais são públicos, costumam impactar toda a sociedade, enquanto os lucros de atividades que desrespeitam as leis ambientais são privados. (Envolverde)

Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.