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Saneamento - será que desta vez vai?

O Brasil tenta combater a falta de saneamento. Foto: Rodrigo Sieiro

 

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo (15/5), o governo federal está anunciando que no mês que vem, como parte de um “pacote de investimentos para impulsionar a economia”, começa a implantar o Plano Nacional de Saneamento Básico, em discussão desde 2007 e que prevê R$ 508,5 bilhões a serem aplicados até 2033, “para universalizar o acesso de todas as residências a água de boa qualidade, assim como o tratamento dos esgotos coletados”. Mais 20 anos. E para “impulsionar a economia”…

Mas será que desta vez os planos conseguem sair do campo das intenções? Garante o Ministério das Cidades que já no segundo semestre R$ 50 bilhões devem sair dos cofres públicos para as obras ainda em 2013 e 2014. E que também haverá uma complementação de R$ 2 bilhões por ano, com a isenção do pagamento do PIS e da Cofins para as empresas do setor. Com esses e outros recursos se pretende investir em saneamento R$ 298,1 bilhões “nos próximos 20 anos”. Os restantes R$ 210,4 bilhões deverão vir “dos Estados, municípios e empresas privadas”.

Sempre ficam dúvidas. Ainda falta assinar contratos com grande parte das empresas que operarão com os R$ 40 bilhões projetados para ocorrerem imediatamente. Hoje só estão sendo investidos pelo governo federal R$ 500 milhões, ou a centésima parte do projetado – e ainda assim, segundo o ministério, é “mais do que era investido em todo o setor há seis anos”. Porque, segundo o próprio ministro, “a área do saneamento básico não tinha projeto e nem política; faltava formulação de política”. Nesse caso, onde ficam os dois mandatos do governo anterior e os primeiros anos deste, seu sucessor?

O fato é que ainda temos 10% das residências sem receber água de boa qualidade e, de acordo com a Pnad (2011), 37,4% sem ligação com redes de esgotos (23 milhões de casas, 70 milhões de pessoas). Para completar, diz o IBGE (maio de 2012) que 11% dos domicílios estão em áreas com esgotos a céu aberto.

Não são as únicas dúvidas. Do orçamento total de R$ 16,1 bilhões para essa área em 2012, apenas R$ 3,5 bilhões foram aplicados. Não espanta, assim, que até em algumas capitais de Estados os esgotos coletados não cheguem a 10%. Ou que apenas 36,3% dos esgotos das cem maiores cidades sejam canalizados. E que 5,4 bilhões de litros de esgotos não tratados sejam despejados a cada dia em cursos d’água e no mar – onde são a principal causa de poluição (O Globo, 25/9/2012). Por essas e outras causas, cidades como Ribeirão Preto (SP), com mais de 500 mil habitantes, só podem consumir água subterrânea. Também só pode ser de perplexidade a reação ante a notícia de que as redes de água no Brasil continuem a perder 37,5% da que sai das estações de tratamento. A grande exceção é Brasília, onde a perda está próxima de zero. No Estado de São Paulo, é de 32,5%; na capital, 25,6%, com a redução nos últimos anos permitindo uma economia de R$ 275,8 milhões anuais.

O ceticismo quanto à possibilidade de avanços ainda encontra argumentos no fato de que a partir de janeiro de 2014 deixarão de receber recursos da União para o saneamento municípios que não formularam projetos para os serviços de coleta e tratamento de esgotos, além do abastecimento de água – mas só 11% deles os apresentaram no prazo, tal como ocorreu com os projetos para a área dos resíduos sólidos.

Levantamento do Instituto Trata Brasil mostra (21/5) que mesmo as maiores cidades, acima de 500 mil habitantes, não têm usado recursos no setor; 65% das 138 obras monitoradas em dezembro de 2012, apesar do valor de R$ 6,1 bilhões, estavam paralisadas atrasadas ou não iniciadas. Só 20 obras estavam concluídas no final de 2012. De um ano para o outro, as obras paralisadas passaram de 23% para 34%.

É lamentável que seja assim, num momento em que estão sendo encontradas soluções em várias partes, no Brasil e fora. Brasília mesmo chegou a praticamente 100% no abastecimento de água e na coleta de esgotos. Nesta última, como já se comentou neste espaço, foi vital a adoção, há mais de 20 anos, do sistema de coleta por ramais condominiais, que reduz entre 30% e 50% os custos, sem prejuízo da qualidade (apenas enfrentando a resistência das grandes empreiteiras). Criado pelo engenheiro pernambucano José Carlos Mello, esse sistema já atende hoje a mais de 15 milhões de pessoas em diversos locais do País, embora viva “escondido”. Portugal também avançou extraordinariamente no setor, com outros métodos: trata 90% de seus esgotos e abastece com água 97,1% da população, graças, inclusive, a consórcios intermunicipais.

Esse tipo de consórcio também deveria ter sido adotado há muito tempo no Brasil, principalmente na área dos resíduos, na qual cerca de 50% do que é coletado vai parar em lixões a céu aberto (que terão de ser eliminados, conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos). Aterros adequados, instalados em locais equidistantes dos municípios que se associassem, economizariam recursos e permitiriam soluções mais rápidas. Da mesma forma, é preciso que os municípios se convençam da necessidade de reciclar, por meio de compostagem, os resíduos orgânicos, que significam pelo menos 50% do lixo coletado. O processo de compostagem permite em pouco tempo transformar em fertilizante (para jardins e canteiros públicos, contenção de encostas e outros usos que não a alimentação humana – de modo a evitar riscos com metais pesados) a parcela maior do lixo domiciliar e comercial, que contribui decisivamente para em poucos anos esgotar um aterro sanitário.

Retornando ao início, não estamos condenados, como os moradores de Londres (EcoD, 14/5), a utilizar nas casas água de esgotos tratada e reciclada, como comentou o jornal The Guardian, porque em 25 anos a capital britânica aumentará em 80% seu consumo. Temos condições privilegiadas por aqui. Mas continuamos achando que temos todo o tempo para enfrentar os dramas. Não é assim.

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.