Nova Délhi, Índia, 25/4/2011 – Na cúpula Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os chamados Brics, foram vistas as fortalezas e as limitações desse grupo de economias emergentes, disse o ex-chanceler indiano Shyam Saran. O ex-ministro também foi negociador em questões climáticas e é o atual presidente do Sistema de Pesquisa e Informação para os países em desenvolvimento, com sede em Nova Délhi. Shyam destacou o potencial dos Brics após a cúpula do dia 15 na ilha chinesa de Hainan.
IPS: A cúpula permitiu aos países do Brics se converterem em um grupo de mercados emergentes com maior capacidade para exercer pressões no âmbito internacional?
SHYAM SARAN: Sem dúvida o Brics tem uma potencial força econômica e política significativa no concerto internacional. Seus membros concentram 40% da população mundial, 20% do produto interno bruto e 40% das reservas do mundo. Se pretenderem atuar de forma conjunta em qualquer assunto, será difícil enfrentá-los. No entanto, os países Brics mostram as mesmas preocupações, mais do que uma agenda comum, o que não é nenhuma surpresa devido à diversidade do grupo.
IPS: Washington insiste em manter o dólar como moeda de reserva. A cúpula do Brics expôs as limitações desta postura?
SS: Os Estados Unidos só não podem determinar o sistema financeiro global. A resolução de desequilíbrios estruturais reflete em excesso equilíbrios internacionais mantidos por países como China, Alemanha e Japão, e o enorme déficit persistente nesse país exige uma ação coordenada. Washington não tem outra alternativa a não ser desvalorizar o dólar, mediante um excesso de liquidez, para reduzir seu desequilíbrio comercial, pois a China se nega a valorizar sua moeda. Atualmente, não há outra divisa que possa funcionar como moeda de reserva internacional. Mais de 85% das transações são feitas em dólares, e, virtualmente, quase todas as vinculadas ao petróleo. Mais de 60% das reservas do mundo são nessa moeda. A tendência no longo prazo é uma diminuição do domínio da moeda norte-americana na economia, mas não há outra que tenha um papel tão próximo ao que ela possui neste momento.
IPS: Quais as vantagens de permitir que a moeda chinesa, o yuan, pertença ao conjunto de divisas que apoiam o sistema de Direitos Especiais de Giro (DEG)? Pequim deseja integrar-se, mas evita que seja totalmente conversível ou valorizada.
SS: As moedas usadas para apoiar o DEG são livremente conversíveis e seu valor é regido pelo mercado. E não é o caso do yuan. Não parece haver justificativa econômica para incluir a divisa chinesa na cesta desse sistema.
IPS: Os países do Brics chegaram a um acordo pelo qual suas próprias moedas podem ser usadas para conceder créditos e doações entre si, evitando o dólar. A China se mostrou desejosa de oferecer créditos aos membros do grupo, apesar das consequências dessa medida.
SS: É preciso analisar essa proposta dentro de uma perspectiva. O comércio dentro do Brics é estimado em US$ 230 bilhões, apenas 1% dos intercâmbios globais. Ainda que todo comércio entre os membros do grupo seja feito em suas moedas, dificilmente terá impacto no sistema financeiro atual. Além disso, mesmo esse mecanismo, segundo a Declaração de Sanya, está sujeito às leis e regulações nacionais, o que é outra forma de dizer que os membros do grupo manterão todas as opções abertas. Em Hong Kong surgiram bônus em yuan e logo poderá ocorrer o mesmo em Cingapura. Mas sua emissão está rigidamente controlada e sua disponibilidade é limitada. Até haver um mercado relativamente complexo e razoavelmente profundo da moeda chinesa, é pouco provável que rivalize com os mercados de divisas ocidentais concentrados em Nova York e Londres.
IPS: Os Brics melhoraram suas possibilidades de crescer além das sinergias mostradas nas negociações climáticas e de se contrapor ao protecionismo comercial, ou são áreas “brandas” às quais é preciso se apegar?
SS: Em matéria de negociações climáticas, a Rússia se afasta. Seus interesses não estão alinhados com os de Brasil, China, Índia e África do Sul, os chamados países básicos. Por exemplo, estes últimos são inflexíveis quanto ao cumprimento do Protocolo de Kyoto, mas a Rússia anunciou que não se considera presa às suas disposições. Em matéria comercial, o Brics compartilha a preocupação com o crescente protecionismo das economias ocidentais, mas a Rússia ainda não é membro da Organização Mundial do Comércio. Assim, fica limitada a oportunidade de ações comuns. Os países do Brics têm mais possibilidades de trabalhar juntos e de marcar uma diferença em relação ao G20 em diversos assuntos relacionados com a governança da economia global, por exemplo, em questões como a reforma de instituições financeiras internacionais para dar uma voz mais forte aos países em desenvolvimento. Além de atender suas vulnerabilidades, especialmente as dos países menos adiantados e os da África, desenvolver um regime de associação econômica, em lugar do atual de doador-beneficiário, e trabalhar para criar uma ordem econômica verdadeiramente multilateral, não discriminatória e baseada no direito.
IPS: Um dos pontos de acordo é a “excessiva volatilidade de matérias-primas, especialmente nos itens alimentos e energia”. O que pode fazer o Brics a respeito? Há coordenação suficiente?
SS: A capacidade dos países do Brics conseguirem um impacto significativo a respeito é francamente limitada. A Índia propôs manter as reservas globais, como de petróleo e alimentos, para ajudar os países em desenvolvimento a superarem a volatilidade dos preços de produtos estratégicos. Entretanto, pouco se vê além da retórica sobre esses assuntos globais.
IPS: Seria útil se os países do Brics se expandissem e incorporassem outros mercados emergentes, como a Indonésia?
SS: A Indonésia tem melhores credenciais do que a África do Sul para fazer parte de um grupo de economias emergentes, mas a representação da Ásia seria excessiva. Para ser efetivo, grupos como estes deveriam ter países que compartilhassem uma agenda comum além das generalidades. O Brics ainda está na casa de partida.
IPS: Qual é a relação entre o Ibas (Índia, Brasil, África do Sul) e o Brics? A China, inclusive, sugeriu que o primeiro, constituído por países democráticos, seja dissolvido a favor do segundo, onde tem peso.
SS: O Ibas é um grupo de democracias plurais que compartilham certos valores políticos. Não se justifica buscar sua dissolução, especialmente por parte de um país que não está representando nele. Tem uma substância muito maior do que o Brics para a cooperação e está se fortalecendo. Há espaço suficiente no cenário internacional para múltiplas coalizões de interesses. Envolverde/IPS