Para reduzir os custos galopantes da saúde, por que não ouvir os próprios médicos, como fizeram os pesquisadores da Mayo Clinics, nos EUA?
A crise do setor de saúde no Brasil, as manifestações populares que inundaram as ruas e as avenidas de Norte a Sul, a urgência de resolver um problema crônico de total inadequação do sistema atual às necessidades da população. Faltam médicos, recursos, boa administração, boa gestão. Abundam o descaso, o desmando, a improvisação, a corrupção e os custos progressivamente mais elevados. Isso em um país onde apenas se começa, ou se tenta começar, a sair do fundo do poço na economia.
De repente, por decreto, ações têm sido tomadas pelas autoridades para apaziguar os ânimos das multidões acampadas em frente aos prédios dos governos federal, estaduais e municipais. Se servir de consolo, a crise da saúde também bate nas portas do governo Barack Obama. Também por lá, custos elevados estão tornando o acesso a uma saúde adequada, para os padrões estadunidenses, cada vez mais difícil e seletivo. As autoridades governamentais de saúde e de economia estão quebrando a cabeça para tentar, como aqui, resolver ou amenizar esse problema. Mas o que os médicos pensam disso e quão envolvidos se sentem na solução eventual? Nos EUA, como cá, a maioria dos médicos é deixada de lado e suas opiniões, esquecidas.
Um estudo recentemente publicado na mais prestigiosa revista de medicina do mundo, a New England Journal of Medicine, avaliou essas questões. Pesquisadores liderados pelo doutor J. Tilburt, da Mayo Clinics, em Rochester, Minnesota, enviaram questionário a 3.897 médicos de todas as regiões do país. Queriam saber o que os profissionais acham de seu papel na readequação do custo dos serviços nos EUA e quais seriam as estratégias de contenção da disparada dos gastos com a promoção da saúde e o tratamento dos pacientes.
Corporativismo e sociedades médicas à parte, cada profissional respondeu individualmente. Os resultados do estudo podem servir de orientação às autoridades brasileiras. A maioria (73%) dos pesquisados apoia medidas para promover a excelência do cuidado médico e a continuidade desse cuidado até a recuperação total e funcional dos pacientes. Eles também apoiariam quaisquer mudanças que permitissem melhores condições de trabalho, hospitais mais equipados e acesso facilitado dos pacientes aos centros médicos. E 76% estão cientes do elevado custo médico, e concordariam em aderir a programas e diretrizes para desestimular o emprego de exames e procedimentos desnecessários ou marginalmente úteis no cuidado do paciente. Mais de 79% do médicos exigem medidas de redução de custos sem interferência no compromisso ético de boa prática profissional e o interesse soberano dos doentes.
Por outro lado, os médicos, na sua maioria (85%), não concordariam em negar procedimentos caros, mas benéficos a alguns pacientes, deixando esses recursos para doentes com maiores necessidades. Curioso notar que a forma de remuneração dos médicos teve um impacto grande nas respostas. Médicos assalariados não discordariam de medidas que afetem o modelo atual de fee for service, ou pagamento por serviço realizado. Ao mesmo tempo, a maioria absoluta seria contra controlar os custos da saúde através de redução da remuneração profissional.
Segundo os pesquisadores, reformas nos sistemas de saúde devem ser estudadas com cuidado. Cada país ou região deve indagar e envolver seus médicos na procura da melhor solução para reduzir os custos da medicina, preservando o compromisso ético do profissional para com seus pacientes. Dica para os nossos governantes: os médicos brasileiros nos consultórios, nos prontos-socorros, nos hospitais, continuam esperando por alguém que queira ouvir suas opiniões e seus anseios.
* Riad Younes é médico, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.