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Talibã luta contra calças fantasmas

No Paquistão, tanto homens como mulheres das zonas tribais normalmente usam calças e túnicas folgadas. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
No Paquistão, tanto homens como mulheres das zonas tribais normalmente usam calças e túnicas folgadas. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 14/8/2013 – Uma nova norma para vestimenta masculina decidida pelo movimento islâmico Talibã no Paquistão surpreendeu muitos e gerou críticas. A ordem que impõe aos homens o uso de túnicas e calças largas causou estranheza porque é a vestimenta habitual nas zonas tribais. O Talibã há algum tempo impõe um rígido código de vestimenta para as mulheres. E agora também aponta para os homens, embora sem muitos fundamentos.

“Os homens de zonas tribais se vestem da maneira certa”, disse Ahmed Jamal, residente da agência do Waziristão do Sul, nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), ao ser consultado pela IPS. “Ao contrário de outras partes do país onde as pessoas usam calças (com as do tipo ocidental) e camisetas, aqui se usa o shalwar-kameez”, acrescentou, se referindo à túnica e à espécie de pijama unissex que cobre até os tornozelos.

O proscrito Tehreek Taliban Pakistan (TTP) emitiu, no dia 13 de julho, a “ordem” para os homens usarem calças bem largas, em lugar de justas. E, no dia anterior, havia ordenado às mulheres que fizessem o mesmo, embora elas invariavelmente usem burca e se cubram da cabeça aos pés. Além disso, alertou os comerciantes para não venderem vestimentas que contrariem a aprovação do Talibã, sob ameaça de fechamento.

Primeiro, a advertência é de impor multa de US$ 50 e fechar a loja por um mês. Contudo, já ocorreu o pior. Mustafa Shah, comerciante do Waziristão, disse que algumas vezes o Talibã queima a roupa confiscada. “No dia 22 de julho, homens do TTP chegaram e levaram roupas de várias lojas e as queimaram. Não pudemos dizer nada por medo de represálias”, contou. As ordens prejudicam tanto a população quanto os comerciantes, argumentou Shah.

“Não sabemos de normas semelhantes em nenhum país muçulmano, nem mesmo no reino da Arábia Saudita, onde regem as normas islâmicas mais rígidas”, observou Shah. O Talibã já causou grande sofrimento na população. “Mais da metade dos cinco milhões de pessoas que vivem nas Fata tiveram que abandonar suas casas devido à presença do Talibã e às consequentes operações militares, que já paralisaram a atividade comercial”, destacou.

Jamal, mecânico de Wana, o maior povoado do Waziristão do Sul, disse que a ordem só serve para pôr o TTP no noticiário. “A maioria da população pastún dos sete distritos das Fata se veste de acordo e suas roupas são decentes”, afirmou. Um panfleto distribuído pelo TTP diz que usar roupa curta e reveladora atenta contra o Islã, porque não cobre o corpo como deveria, além de ir contra a cultura pastún.

Mohammad Sarwar, da universidade Islamia College de Peshawar, afirmou que a ordem é uma ferramenta para atemorizar a população e para que o Talibã imponha sua própria versão do Islã. “É uma clara demonstração de como o Talibã promove sua agenda. Quer marcar presença dando ordens irrelevantes”, afirmou. Além disso, as pessoas têm direito de se vestir como quiserem, ressaltou. “O TTP não tem direito de pedir isso às pessoas, e, em todo caso, não fazem parte do governo. Essas ordens são ilegais, imorais e sem valor. Enfurecem os moradores da área”, acrescentou.

As Fata ficam na fronteira entre Afeganistão e Paquistão, onde o Talibã se refugiou depois que as forças encabeçadas pelos Estados Unidos o expulsaram de Cabul, no final de 2001. “A população das Fata os protegeu e os tratou como convidados, mas começaram a atacar as forças paquistanesas, edifícios estatais e escolas”, contou à IPS Afaq Jan, morador do Waziristão.

O TTP açoitou e apedrejou mulheres acusadas de adultério e matou pessoas pobres por considerá-las espiãs, disse Jan. “Castiga a gente sem dar oportunidade de defesa”, pontuou. O Talibã já é muito impopular por esse tipo de ações. Esta última, para que os homens não usem roupas justas, afastará mais a população, opinou. Este tipo de norma pouco ética é inapropriada, segundo Jan. “Se tivesse sido dada por Karachi, Islamabad ou Peshawar, poderia ter sentido”, enfatizou.

Maulana Naim Gul, religioso de Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa, disse à IPS que fica muito triste com esse tipo de ordem porque dão má fama ao Islã. “O Talibã não sabe de preceitos islâmicos. Sua tentativa de impor o Islã por meios violentos não convencerá ninguém. Dominar as pessoas mediante coerção atenta contra o Islã”, ressaltou. Envolverde/IPS