Rio de Janeiro, Brasil, 30/9/2013 – Em meio a rumores de que o aquecimento global se deteve nos últimos 15 anos, o novo informe do Grupo Internacional de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) indica que as três últimas décadas foram, sucessivamente, mais quentes do que qualquer outra desde 1850. O Resumo para Responsáveis por Políticas do informe do Grupo de Trabalho I – Bases de Ciência Física, foi divulgado no dia 27, em Estocolmo, na Suécia.
O texto completo, sem edições, será conhecido hoje e constitui o primeiro dos quatro volumes do Quinto Informe de Avaliação do IPCC. O aquecimento é “inequívoco”, afirma o IPCC. “A atmosfera e o oceano esquentam, a quantidade de neve e gelo diminui, o nível do mar sobe e as concentrações de gases-estufa aumentam”, destaca o estudo.
Para o especialista brasileiro em clima, Carlos Nobre, um dos autores principais do Quarto Informe de Avaliação, o novo relatório não dá “nenhuma razão para o otimismo. Cada uma das três últimas décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra desde 1850. No Hemisfério Norte, o período 1983-2012 representa, provavelmente, os 30 anos mais quentes dos últimos 1.400”, diz o novo resumo. Os dados “das temperaturas médias terrestres e da superfície do oceano, calculados como uma tendência linear, mostram um aquecimento de 0,85 grau no período 1880-2012”, acrescentou Nobre
A respeito da suposta pausa no aumento do calor, o IPCC afirma que “a taxa de aquecimento dos últimos 15 anos (1998-2012) – que foi de 0,05 grau por década e que começou com um potente El Niño (fase quente da Oscilação do Sul) – é menor do que a calculada entre 1951 e 2012, que foi de 0,12 grau por década”.
Entretanto, argumenta, “devido à variabilidade natural, as tendências baseadas em registros de períodos curtos são muito sensíveis às datas de começo e final, e não refletem, em geral, as tendências climáticas de longo prazo”. Resumindo, diz o documento, “é virtualmente certo (99% a 100% de certeza) que a troposfera esquenta desde meados do século 20”.
Nobre indicou à IPS que “o resumo observa com mais detalhe o que está mudando e reduz as incertezas com um conhecimento científico aperfeiçoado”. Além disso, confirma que as alterações do clima se originam principalmente nas ações humanas, destacou Nobre, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia.
A humanidade deverá se decidir a deixar grande parte dos combustíveis fósseis – responsáveis pela emissão de gases que esquentam a atmosfera – e passar para outras formas de energia renovável, advertiu Nobre. Tecnicamente, é possível, falta uma opção consciente de todos os países, ressaltou. “Essa transição tem um custo, mas que é cada vez menor do que o estimado há 15 anos. O problema não é a tecnologia, mas a decisão política”, acrescentou.
Para Carlos Rittl, coordenador do programa de mudanças climáticas e energia do WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza), “embora o aquecimento tenha apresentado uma aparente estabilização quanto à temperatura média, os anos mais quentes foram registrados na última década. Isso não nos deixa em uma situação de conforto”.
O informe do IPCC, uma revisão das pesquisas científicas disponíveis, se baseou em trabalhos de 259 autores de 39 países, e contou com 54.677 comentários. Sua divulgação veio permeada de uma renovada onda mediática de dúvidas e rumores sobre a existência do aquecimento global.
Com base em diferentes trajetórias de emissão de gases-estufa, o resumo projeta para este final de século uma elevação da temperatura superior a 1,5 grau em relação ao período 1850-1900 em todos os cenários, menos no de menor concentração de gases. Também afirma que, provavelmente, o aumento exceda os dois graus até 2100 nos dois cenários de maior emissão de gases. O informe anterior, de 2007, previa aumento de dois graus, no melhor dos casos, e de até seis, no pior.
Após o fracasso da conferência intergovernamental de Copenhague, em dezembro de 2009, quando os países não conseguiram obter um acordo para reduzir a contaminação climática, foram redobrados os questionamentos ao IPCC, em particular por uma errônea estimativa do derretimento das geleiras do Himalaia. A informação “foi usada de forma irresponsável por quem nega o aquecimento global”, alertou Rittl.
Seis anos depois, há mais e melhores evidências científicas para estimar, por exemplo, quanto o derretimento de gelos contribui para a elevação do nível do mar. Até o final de 2100 a elevação média do mar oscilará entre 24 centímetros e 63 centímetros, segundo o melhor e o pior cenários de contaminação atmosférica. As chuvas “aumentarão nas regiões mais úmidas e diminuirão naquelas onde há escassez pluviométrica”, detalhou Rittl, que é doutor em ecologia.
No Brasil os exemplos são a árida região do Nordeste e as mais úmidas do Sul e Sudeste. A incidência de chuvas crescerá entre 1% e 3% em zonas do sul, segundo a velocidade do aquecimento, enquanto as áridas apresentarão padrões de seca mais severos. Todas as tendências confirmadas pelo informe são “alarmantes”, apontou Rittl. “Nós, humanos, somos responsáveis por essas mudanças, que vão piorar o cenário atual em que já há centenas de milhões de pessoas sofrendo escassez de água, de comida e de condições adequadas para sobreviver”, ressaltou.
O primeiro volume do Quinto Informe de Avaliação do IPCC é divulgado dois meses antes de acontecer em Varsóvia, na Polônia, a 19ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Nesse encontro deverá ser feito um esforço mundial para garantir a transição para uma economia baixa em dióxido de carbono, disse Nobre. “Este informe é um choque de realidade”, ressaltou.
Em sua opinião, o Brasil é um dos “poucos bons exemplos”, pois conseguiu reduzir em 38,4% suas emissões de gases-estufa entre 2005 e 2010, devido à queda no desmatamento da Amazônia. “O Brasil adotou compromissos voluntários, mas no global não há um acordo ambicioso”, explicou Nobre. Quanto mais tempo se demorar em “adotar ações concretas, mais difícil e improvável será conseguir uma trajetória sustentável de acomodação e adaptação à mudança climática”, enfatizou.
Rittl acredita que os governos devem enfrentar a mudança climática como um desafio nacional para o desenvolvimento, a inclusão social e a redução da pobreza. “É necessário lidar com os riscos e as oportunidades com muita responsabilidade”, concluiu. Envolverde/IPS